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  • As Vidas de Chico Xavier

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Autor Tópico: As Vidas de Chico Xavier  (Lida 13740 vezes)

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Offline Marianna

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As Vidas de Chico Xavier
« em: 11 de Maio de 2015, 20:44 »
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* Chico_Psicografia_Emmanuel (1).jpg (21.29 Kb - transferido 5758 vezes.)


As Vidas de Chico Xavier
Marcel Souto Maior

Agradecimentos: Rose, minha mãe, pelo apoio de sempre. Ronan, meu pai. Arturo, o psicanalista. Paulo Roberto Pires, Mauro Ventura, Olavo Drummond, Sônia, Sylvia e Cássio Barsante, Neusa Arantes, Eurípedes Tahan, Elias Barbosa, Lula Branco Martins, Daniela Kresh, Leonardo Ferreira, Francisco Ferreira de Queiroz, Ricardo Land e Marcos Aurélio Santos Coelho, do Proauto (Projeto Automação do Jornal do Brasil), Geraldo Leão, Biblioteca Nacional. A todos, enfim, que tornaram este livro possível.

Índice:

  Morre um capim, nasce outro
  O menino mal-assombrado
  Muito prazer, Emmanuel
  A pele do rinoceronte
  O aprendiz de curandeiro
  Humberto de Campos, o escândalo
  Chuva de pétalas
  A nova atração de Uberaba
  Os mortos estão vivos
  A vida desapropriada
  Diante da morte
  Epílogo
  Bibliografia.






« Última modificação: 01 de Setembro de 2016, 03:24 by ram-wer »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #1 em: 11 de Maio de 2015, 20:45 »
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1º-)

  "Morre um capim, nasce outro"

Eram pouco mais de 19h30 de domingo 30 de junho de 2002 , quando o coração de Chico Xavier parou.

Chico tinha acabado de deitar-se na cama estreita de seu quarto acanhado para mais uma noite de sono. Pouco antes de dormir, ergueu as mãos para o alto, como sempre fazia, e rezou pela última vez.

Chico morreu em casa, como queria, sem dor nem sofrimento. Poucas horas antes, ele chamou o enfermeiro que sempre o acompanhava. Precisava de ajuda para fazer a barba, mas Sidnei tinha viajado. A reação de Chico, ao saber da viagem, foi rápida e intrigante: Não vai dar tempo.

Nos últimos dias, a cozinheira da casa, Josiane Alberto, estranhou o comportamento de Chico. Bastava ela trazer um copo de água para Chico agradecer: Jesus vai te abençoar.

Muito obrigado. Passou a semana agradecendo. Era como se estivesse se despedindo. Foi esta a sensação que teve o médium César de Almeida Afonso ao visitá-lo na semana anterior.

Agora vieram todos - Chico disse ao vê-lo, depois de uma sucessão de visitas de outros médiuns. O líder espírita morreu exatos oito dias antes da data em que seria alvo de uma série de homenagens e comemorações: os 75 anos de sua mediunidade.

Para os amigos mais íntimos, a morte, naquele momento, o poupou de novos desgastes com eventos e compromissos.

Chico planejou, com cuidado, a própria despedida. Uma de suas principais preocupações era impedir que impostores divulgassem, após sua morte, supostas mensagens transmitidas por ele.

Temia que, em busca de projeção, médiuns se apresentassem como porta-vozes de seu espírito. Para evitar fraudes, Chico combinou um código secreto com três pessoas de sua confiança.

O médico e amigo Eurípedes Tahan Vieira, o filho adotivo Eurípedes Higino dos Reis e Kátia Maria, sua acompanhante nos últimos anos de vida. Três informações deveriam constar da primeira mensagem enviada do além.

Na tarde anterior à própria morte, Chico confirmou o código com Eurípedes Tahan e avisou: Vocês saberão quem sou eu. Traduzindo: depois de morto, Chico revelaria um dos seus segredos mais bem guardados: quem ele teria sido na última encarnação.

Ele pensou em cada detalhe. Seu corpo deveria ser velado no Grupo Espírita da Prece durante 48 horas, para que todos tivessem tempo de se despedir, sem confusão.

O enterro seria feito no cemitério São João Batista, em Uberaba, a cidade que o acolheu em janeiro de 1959, quando Chico deixou para trás a família e os amigos da cidade natal, a também mineira Pedro Leopoldo. Foram feitas, é claro, as suas vontades.

Quando a notícia sobre a morte dele se espalhou, fogos de artifício ainda espocavam nos céus de Uberaba e do Brasil. O país festejava a conquista do pentacampeonato da Copa do Mundo de futebol. O jogo decisivo aconteceu na madrugada de sábado para domingo.

Mas a principal notícia em Uberaba logo se tornou Chico Xavier. Repórteres, fotógrafos e cinegrafistas correram para a casa dele. O corpo do médium saiu de casa por volta das 23h30 pelo portão dos fundos rumo ao Grupo Espírita da Prece, o centro fundado por ele em 1975.

Aplausos o saudaram na saída de casa e na chegada ao Centro. Uma fila de admiradores logo dobrou o quarteirão e se prolongou dia e noite, por dois dias. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros foram mobilizados e, de todo canto do país, chegaram os devotos de Chico Xavier.

Mães e pais que perderam filhos e foram consolados por ele; pobres que teriam morrido de fome ou de frio sem a ajuda dos mutirões que ele promovia; espíritas e não-espíritas de todo o país, que aprenderam a ter fé com a ajuda de Chico.

As 48 horas de velório foram suficientes para que as caravanas de ônibus chegassem em paz. A Polícia Militar fez as contas: 2.500 pessoas por hora, em média, se despediram de Chico no Grupo Espírita da Prece.

Ao todo, 120 mil pessoas. A fila para ver o corpo atingiu quatro quilômetros e chegou a exigir uma espera de aproximadamente três horas.

Coroas de flores foram enviadas de todo o país por políticos, artistas, admiradores anônimos, enquanto o prefeito decretava feriado na cidade, o Governador anunciava luto oficial por três dias, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso divulgava uma mensagem sobre a importância do líder espírita para o país e para os pobres.

Em frente ao cemitério, uma de suas admiradoras, a florista Isolina Aparecida Silva, atravessou a rua, foi até a cova onde Chico seria enterrado e jogou lá no fundo, sem que ninguém visse, uma carta de agradecimento por tudo o que o médium fez por ela e pelo Brasil.

Isolina, 56 anos, tornou-se devota de Chico aos catorze, quando ele curou a sua enxaqueca crônica apenas com o toque das mãos.

Isolinas de todo o Brasil rezaram para Chico Xavier naqueles dias de despedida e conversaram com ele, nas breves passagens pela beira do caixão, como se Chico estivesse ouvindo cada palavra de saudade e de gratidão.

Na terça-feira 48 horas depois da morte , um carro do Corpo de Bombeiros estacionou em frente ao Grupo Espírita da Prece para transportar o corpo de Chico até o cemitério.

Os cinco quilômetros do trajeto demoraram uma hora e meia para serem percorridos. Mais de 30 mil pessoas acompanharam o cortejo a pé. O trânsito parou e um clima de comoção tomou conta da multidão.

A pedido de Chico, as flores das coroas mais de cem, no total - foram distribuídas a quem acompanhava o corpo. Na porta do cemitério, o caixão foi recebido com uma chuva de pétalas de 3 mil rosas lançadas de um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal, ao som de músicas como Nossa Senhora, o canto de fé de Roberto Carlos, e Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, canção de protesto de Geraldo Vandré.

O corpo permaneceu na entrada do cemitério mais quarenta minutos antes de ser levado para a sepultura. Chico queria se despedir de todos. E se despediu como planejou.

Espíritas esperaram por notícias dele nos dias seguintes. Mas semanas, meses se passaram... e nada. Nenhuma mensagem de Chico Xavier. O "código secreto" nem precisou ser usado. Seis meses depois, um dos médiuns mais concorridos de Uberaba, Carlos A. Bacceli, fechou os olhos e pôs no papel um livro intitulado Na Próxima Dimensão.

O espírito do médico Inácio Ferreira, ex-diretor clínico do hospital psiquiátrico Sanatório Espírita de Uberaba teria ditado o texto a ele. Inácio, segundo o livro, também esteve no enterro de Chico. Era um dos espectadores "invisíveis" da "passagem" do líder mais importante do país.

Durante todo o velório, Chico escreveu Bacceli teria descansado nos braços de Cidália, segunda mulher de seu pai, considerada sua segunda mãe. "Chico guardava relativa consciência de tudo , descreve o texto. Uma faixa de luz azul enfeitava o céu e foi se tornando cada vez mais intensa à medida que se aproximava a hora do enterro.

Esta luz, segundo Inácio, envolveu Chico e partiu, levando o líder espírita para bem longe, no exato instante em que a multidão entoava a canção Nossa Senhora, em frente ao cemitério.

Uma revelação, publicada no livro, causou alvoroço nos meios espíritas: Chico seria a reencarnação de Allan Kardec. Ele teria vindo à Terra para pôr em prática e "sentir na própria pele" a doutrina desenvolvida e divulgada por ele, em livro, na existência anterior.

Com a publicação do livro, Chico teria cumprido a promessa de revelar quem ele era. Para quem não acredita em vida depois da morte, os cinco parágrafos acima são mera ficção. Para quem acredita, tudo faz sentido.

Verdade irrefutável mesmo é que Chico, o menino pobre e mulato do interior de Minas, filho de pais analfabetos, se transformou em mito, venerado, idolatrado, atacado, perseguido um ídolo popular.

Foi a história desta metamorfose que decidi contar há dez anos quando desembarquei em Uberaba com uma tarefa ambiciosa: receber um sinal verde do próprio Chico Xavier para escrever sua biografia.

Eu era repórter do Jornal do Brasil, tinha sérias dúvidas sobre questões como vida depois da morte e encarava o líder espírita com o habitual distanciamento jornalístico. Chico era um mito nacional adorado por milhões de brasileiros e menosprezado por centenas de jornalistas como eu.

Chico Xavier?

Não é o Chico Buarque, não? 
Chico Mendes?
Chico Anysio?

Amigos de redação ironizavam ao saberem do meu projeto: lançar a primeira biografia jornalística de um dos personagens mais idolatrados e polêmicos do país. Lá fui eu.





« Última modificação: 15 de Maio de 2015, 02:31 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #2 em: 11 de Maio de 2015, 20:47 »
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2º-)

Aos 81 anos, atormentado por sucessivas crises de angina, 16 abatido por duas pneumonias graves e castigado por uma catarata crônica, Chico Xavier vivia em repouso e por recomendação médica já não participava de sessões espíritas há quase nove meses.

Eu teria de contar com o apoio de seu filho adotivo, Eurípedes, para conseguir visitá-lo em casa nas reuniões para poucos amigos aos sábados à noite. Não consegui passar pelo portão.

Eurípedes preferiu preservar o pai de qualquer desgaste, e eu decidi iniciar a reportagem sem autorização de ninguém nem do possível biografado. O primeiro passo: acompanhar uma sessão espírita no Grupo Espírita da Prece, mais conhecido como "O Centro do Chico"

Era noite de sábado e fazia frio. Dava para contar nos dedos o número de participantes do culto reunidos na casa simples, com piso de cimento e telhas descascadas no teto. Éramos catorze todos sentados a dois metros de distância da mesa comprida onde, até o ano anterior, Chico Xavier causava comoção ao fechar os olhos e pôr no papel mensagens de mortos a suas famílias na Terra.

Com a ausência de Chico nas sessões dos últimos meses, as multidões do ano anterior reduziram-se até chegarem naquele punhado de gente disposta a acompanhar a leitura do Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, e a análise de temas como compaixão e solidariedade.

Sentei no banco de madeira em frente à mesa ocupada pelos dirigentes da sessão e, minutos depois, levei um susto. Contra todas as expectativas, Chico Xavier reapareceu no Grupo Espírita da Prece, o corpo franzino arqueado sob um terno mal-ajambrado e o sorriso aberto de quem volta para casa depois de meses de internação.

Ele se sentou à cabeceira, ouviu em silêncio a leitura de textos de Kardec e, em seguida, rezou o pai-nosso com um fio de voz. Eu não sabia nem como nem por que, mas lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto sem que eu sentisse qualquer emoção especial. Desabavam à minha revelia, aos borbotões, sem nenhum controle.

No fim da sessão, eu me aproximei de Chico e fui direto ao assunto com a desinibição e arrogância típicas dos jovens jornalistas: - Chico, trabalho no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, e vim pedir autorização para escrever sua biografia.

Chico recorreu a um de seus enigmas, tática usada por ele para evitar a indelicada palavra "não":
—  Deus é quem autoriza.

Continuei no mesmo tom:
—  E Deus autoriza?

Chico ficou em silêncio dois, três segundos e respondeu com um meio sorriso:
—  Autoriza.

Era tudo o que eu precisava ouvir. Ou quase tudo. O acesso à casa de Chico, fundamental para a reportagem, foi negado por Eurípedes no dia seguinte.

E o tempo começou a correr contra o projeto. Era preciso voltar ao Rio em breve com o máximo de informações possível.., e o jovem repórter entrou em ação novamente, com uma tática de emergência.

Liguei para o outro filho adotivo de Chico, Vivaldo, responsável pela catalogação da obra do líder espírita e me apresentei com uma meia verdade:
—  Vivaldo, sou jornalista e estou escrevendo uma reportagem sobre o seu pai.
—  Você pode me ajudar?

Vivaldo convidou-me para uma visita e, simpático, ajudou- me, sem saber, a vencer o veto da véspera: ele morava em um anexo nos fundos da casa de Chico e foi lá que eu entrei na noite seguinte com gravador e bloco à mão para a primeira entrevista.

Vivaldo tratou de servir café enquanto eu despejava sobre ele as primeiras perguntas - as mais leves - sobre a obra de Chico Xavier e a responsabilidade dele, Vivaldo, de datilografar, classificar e arquivar os romances e poemas vindos do além.

Eram quase quatrocentos livros e mais de 20 milhões de exemplares vendidos de clássicos como Parnaso de Além-Túmulo (o livro de estréia) e best sellers como Nosso Lar (o campeão de 18 vendas). Todos, sem exceção, segundo Chico, foram transmitidos a ele por espíritos.

A pauta da conversa estava prestes a entrar nas perguntas mais complicadas sobre a personalidade e a intimidade de Chico quando uma campainha soou na sala. - É meu pai. Tá me chamando, Vivaldo pediu licença e se retirou.

Com dificuldades para andar, Chico tinha um interruptor ao lado da cama para acionar os filhos em caso de necessidade ou emergência. Quando Vivaldo saiu, um calor insuportável tomou conta da minha mão direita: era como se ela estivesse pegando fogo.

Uma sensação tão nítida que me fez largar a caneta, saltar do sofá, ir até a porta, girar a maçaneta e correr para o quintal. Fiquei ali fora sacudindo a mão de um lado pro outro na noite fria até Vivaldo reaparecer.
—  Meu pai disse que a sua biografia vai ser um sucesso. Parabéns.

Só deu tempo de eu buscar o gravador e o bloco na sala, me desculpar e desaparecer. Foi assim, com lágrimas e calores inexplicáveis, que dei os primeiros passos no território de Chico Xavier.

—  Auto-sugestão?
—  Fenômenos físicos provocados pela aura de um ser iluminado?

São muitas as perguntas sem resposta neste mundo onde vivos e mortos se misturam e espíritos enviam notícias do além por meio de médiuns em mensagens sempre intrigantes.

Trecho de uma delas:
  "Querida tia Isabel, se puder, não deixe a vovó chorar tanto nem a minha Mãezinha Gilda continuar tão aflita por minha causa. Estou vivo, mas preciso desembaraçarme das prisões de casa para conseguir melhorar."

A carta é assinada por Antônio Carlos Escobar, jovem de 22 anos, morto dias antes. Ao longo de todo o texto, o "espírito" cita nomes e sobrenomes de família de vivos e de mortos:
  "Estou aqui com o meu avô Primitivo Aymoré e com minha avó Isabel Rôa Escobar...".

A mensagem saiu das mãos de Chico Xavier, em sessão pública em Uberaba, arrancou lágrimas da mãe de Antônio Carlos, Gilda, e provocou o mesmo efeito nas pessoas reunidas no Grupo Espírita da Prece: o de reforçar a fé num dos dogmas do espiritismo: o de que existe, sim, vida depois da morte.

—  Como duvidar da autenticidade de um texto pontuado por tantos nomes e sobrenomes só conhecidos pela família do morto?
—  Como duvidar de Chico Xavier?

Fenômenos como estes se repetiram milhares de vezes ao longo dos 74 anos de atividade mediúnica do líder espírita. Quando Chico completou 70 anos - no dia 2 de abril de 1980 já eram 10 mil as cartas de mortos a suas famílias psicografadas por ele, segundo sua assessoria.

E já eram também 2 mil as instituições de caridade fundadas, ajudadas ou mantidas graças aos direitos autorais dos livros vendidos ou das campanhas beneficentes promovidas por Chico Xavier.





« Última modificação: 12 de Maio de 2015, 21:51 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #3 em: 11 de Maio de 2015, 20:50 »
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3º-)

Porta-voz de Deus?
  "Uma besta encarregada de transportar documentos dos espíritos"

Chico reagia.
—  Um iluminado?

"Não.
Uma tomada entre dois mundos" minimizava.

Chico Xavier, o apóstolo?
—  "Nada disso. Cisco Xavier".

Ele transformava o nome em trocadilho quando já era idolatrado por caravanas de fiéis e curiosos vindos de todo o Brasil e indicado ao Prêmio Nobel da Paz em campanha nacional embalada por mais de 2 milhões de assinaturas de adesão em 1981

  "Sou um nada. Menos do que um nada".
Repetia, para se defender de tanto assédio e evitar uma armadilha perigosa: a vaidade.

Com a bênção de Chico, os centros espíritas kardecistas se multiplicaram (hoje já são mais de 5 mil) e formaram uma rede de solidariedade ativa no Brasil.

Por estatuto, cada centro deve divulgar o Evangelho, promover sessões públicas (sempre gratuitas) e, o mais importante, prestar serviços à comunidade. "Ajudai-vos uns aos outros" era o remédio receitado por Chico para todos os males.

  "Ajude e será ajudado", ele aconselhava aos desesperados e seguia à risca a própria receita.

Ao longo dos 92 anos de vida - 74 deles dedicados a servir de ponte entre vivos e mortos, Chico escreveu 412 livros, vendeu quase 25 milhões de exemplares e doou toda a renda, em cartório, a instituições de caridade: Os livros não me pertencem. Eu não escrevi livro nenhum. "Eles" escreveram.

Em fevereiro do ano 2000, Chico foi eleito o Mineiro do Século em votação que mobilizou a população de todo o estado de Minas Gerais e o consagrou, mais uma vez, como fenômeno popular.

Couberam a ele exatos 704.030 votos o suficiente para derrotar concorrentes poderosos como Santos Dumont (segundo colocado), Pelé, Betinho, Carlos Drummond de Andrade e Juscelino Kubitschek (o sexto colocado).

Recluso, doente, afastado dos holofotes, Chico continuava vivo, firme e forte, na lembrança do público. No ano seguinte, ele foi internado com pneumonia dupla, em estado grave, num hospital de Uberaba.

Ao gravar imagens da fachada do prédio, um cinegrafista registrou uma aparição inusitada: um ponto luminoso vindo do céu se deslocou em alta velocidade na direção da janela do quarto onde Chico estava. O médico Eurípedes Tahan Filho acompanhava o paciente e diagnosticou: logo depois desta aparição, o quadro clínico de Chico mudou.

  "A febre desapareceu, a respiração melhorou e ele ficou mais alerta." Dois dias depois, Chico teve alta. As imagens foram exibidas no programa Fantástico, da Rede Globo, logo após a morte do médium.

—  Fraude?
—  Milagre?
—  Ajuda espiritual?
—  Reflexo na lente da câmera?

Engenheiros entrevistados descartaram a hipótese de fraude e não conseguiram explicar a origem da luz. Mais um mistério em torno de Chico.

Numa das poucas conversas que tive com ele, depois de vencer as resistências iniciais, toquei num tema delicado: sua sucessão. Haveria um novo Chico Xavier?

Chico encerrou o assunto:
  "Morre um capim, nasce outro". Ele falava sério.

O menino mal-assombrado:

O pai, João Cândido Xavier, balançava a cabeça e resmungava. É louco. A madrinha, Rita de Cássia, reagia às alucinações do menino com golpes de vara de marmelo.

Entre uma surra e outra, enterrava garfos na barriga do afilhado e berrava:
Este moleque tem o diabo no corpo.

Nem o padre Sebastião Scarzello conseguiu fazer de Chico Xavier um garoto "normal". Após as confissões, preces e penitências, Chico tagarelava com a mãe já morta, via hóstias cintilantes na comunhão, escrevia na sala de aula textos ditados por seres invisíveis e tornava-se, assim, o assunto mais exótico da cidade.

Na empoeirada e católica Pedro Leopoldo, a 35 quilômetros de Belo Horizonte, era difícil encontrar quem apostasse na sanidade de Chico Xavier. Para espantar o diabo e pagar os pecados, o garoto seguia à risca as receitas paroquiais.

Chegou a desfilar em procissão com uma pedra de quinze quilos na cabeça e a repetir mil vezes seguidas 22 a ave-maria. Rezava e contava. Não foi fácil. Um espírito desocupado fazia caras e bocas para atrapalhar seus cálculos.

Na igreja, assombrações flutuavam sobre os bancos e beijavam os santos. Chico divulgava estas e outras histórias do outro mundo para os adultos. Resultado: mais surras e mais risco de ser transferido de Pedro Leopoldo para Barbacena, a capital dos hospícios.

João Cândido estudava com carinho a hipótese de internar o filho. Uma idéia antiga. A Primeira Guerra Mundial começava a assombrar o mundo, e Chico já estava às voltas com fantasmas. Uma noite, seu pai conversava com a mulher, Maria João de Deus, sobre o aborto sofrido por uma vizinha, e desancava a moça.

O filho interrompeu o julgamento e, do alto de seus quatro anos, proferiu a sentença:
—  O senhor está desinformado sobre o assunto. O que houve foi um problema de nidação inadequada do ovo, de modo que a criança adquiriu posição ectópica.

Naquela casa pobre de Pedro Leopoldo, a frase soava tão fora de propósito quanto à notícia de que, na longínqua Europa, a Alemanha acabava de declarar guerra à Rússia.

João Cândido arregalou os olhos e balbuciou:

—  O que é nidação?
—  O que é ectópica?

Chico não sabia. Tinha repetido palavras sopradas por uma voz. Os amigos da família Xavier, aqueles que desconheciam O discurso médico feito pelo menino aos quatro anos, arriscavam uma explicação para as alucinações de Chico: a morte da mãe, quando ele tinha cinco anos.

Maria João de Deus foi embora cedo demais e, ao se despedir, deixou em casa um garoto ao mesmo tempo magoado e impressionado. Pouco antes de morrer, ela pediu ao marido que distribuísse os nove filhos pelas casas de amigos e parentes.

Só assim João Cândido, vendedor de bilhetes de loteria, conseguiria viajar pelas cidades vizinhas em busca de dinheiro. No pé da cama onde a mãe agonizava, atormentada por crises de angina, Chico cobrou:
—  Por que a senhora está dando seus filhos para os outros?
—  Não quer mais a gente, é isso?

Maria explicou que iria para o hospital e garantiu com voz firme:

—  Se alguém falar que eu morri, é mentira.
—  Não acredite. Vou ficar quieta, dormindo.
—  E voltarei.

Chico acreditou. No dia seguinte, a mãe morreu e João Cândido entregou à madrinha, Rita de Cássia, um menino com idéias estranhas. Depois do enterro de Maria João de Deus, em 29 de setembro de 1915, o garoto teve que esticar as pernas para acompanhar a madrinha.





« Última modificação: 15 de Maio de 2015, 02:42 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #4 em: 11 de Maio de 2015, 21:10 »
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4º-)

Na volta do cemitério, ela não encurtou os passos para andar de mãos dadas com o afilhado, como fazia a mãe dele. Ofegante. o menino alcançou Rita, mas o esforço foi um desperdício. Sua mão ficou balançando a procura dos dedos da madrinha.

Ainda hoje sinto no braço a sensação do vazio, da procura inútil lamentou Chico, 65 anos depois, já conformado. Foi minha educadora.

Se a dor ensina, Rita de Cássia foi mesmo uma professora exemplar. Chico Xavier recebeu aulas diárias durante os dois anos em que morou com ela e o marido, o comerciante José Felizardo Sobrinho, sempre ausente.

Logo nos primeiros dias, enfrentou o primeiro teste. Bastou uma ida ao banheiro para encontrar, na volta, a cama ensopada de urina. A madrinha perguntou o que tinha acontecido. Chico, sem culpa no cartório e com a cabeça cheia de sermões católicos, nem titubeou. Jogou a culpa no diabo.

A surra foi demorada. Ele nem imaginava, mas o responsável pela sujeira tinha sido seu vizinho de cama, Moacir, de doze anos, sobrinho tratado como filho por Rita.

O garoto tinha derramado um penico sobre o lençol. Chico apanhava e queria rezar. Aos cinco anos, já sabia o pai-nosso de cor. Foi criado em meio a preces.

Quando ele tinha dois anos, Maria João de Deus já apontava o céu estrelado e dizia: Foi Deus quem fez tudo isso. Às vezes, exibia um retrato de Jesus e alertava:
"A maior ofensa que podemos fazer à nossa consciência é negar a existência de Deus".

A mãe reunia os filhos para a oração da noite, confessava aos sábados, comungava aos domingos.

Na casa da madrinha, as rezas eram raras e as surras, fartas. Numa delas, Rita se empolgou e enfiou com força demais o garfo na barriga do afilhado.

A ferida demorou a cicatrizar e, para evitar o atrito da pele com a roupa, a madrinha obrigou o menino a usar uma espécie de camisola conhecida como mandrião, vestida por meninas e confeccionada com tecido de ensacar farinha. Para piorar, o pano ainda tinha listras azuis. Os vizinhos se divertiram com a fantasia.

Nos anos 50, foi apontado por alguns amigos como o precursor da moda saco, um sucesso na época. O menino não conseguia achar graça.

Chorava muito e só tinha sossego quando a madrinha tomava o rumo da estação para ver o trem de luxo passar. Ela adorava admirar os passageiros da primeira classe. Tão chiques, tão belle é poque.

Numa das escapadelas de Rita, Chico correu para o quintal e se ajoelhou embaixo de uma bananeira. Repetia o pai-nosso quando, de repente, viu na sua frente Maria João de Deus. Até que enfim.

Ela cumpriu o prometido. Adeus surras e garfos. Chico se agarrou à recém-chegada e pediu socorro. Carregue-me com a senhora, não me deixe aqui, eu estou apanhando muito.

A aparição desfez as ilusões do desesperado. - Tenha paciência. Quem não sofre não aprende a lutar. Se você parar de reclamar e tiver paciência, Jesus ajudará para que estejamos sempre juntos. Em seguida, evaporou.

Chico ficou ali, no quintal, sozinho, gritando pela mãe. Daquele dia em diante, apanhou calado, sem chorar, para desespero da madrinha, que adotou um novo grito de guerra: Além de louco, é cínico.

O menino se defendia da acusação com um argumento absurdo. Toda vez que suportava as surras em silêncio, com paciência, via sua mãe.

A vara de marmelo zunia, Chico engolia o choro e depois se refugiava no quintal para ouvir os surrados conselhos maternos: era preciso sofrer resignado, era fundamental obedecer sempre, porque logo um anjo bom apareceria para ajudá-lo. O menino ficava esperando.

Numa tarde, a "educadora" Rita de Cássia brindou o aluno com uma prova surpresa. Moacir, primo de Chico, apareceu com uma ferida na perna esquerda. Fleming ainda não tinha descoberto a penicilina e o machucado não cicatrizava.

A madrinha, preocupada com o sobrinho, mandou chamar dona Ana Batista, uma benzedeira de Matuto, hoje Santo Antônio da Barra, cidade vizinha de Pedro Leopoldo.

A curandeira examinou o ferimento e aviou a receita. Só uma simpatia daria jeito. Uma criança deve lamber a ferida três sextas-feiras seguidas, pela manhã, em jejum. - Chico serve? perguntou a madrinha.

O garoto ficou em pânico. Correu para debaixo das bananeiras e ouviu o repetido conselho materno:
"Você deve obedecer. Mais vale lamber feridas que aborrecer os outros. Você é uma criança e não deve contrariar sua madrinha".

—  E isso vai curar o Moacir?
—  Não, porque não é remédio. Mas dará bom resultado para você, porque a obediência acalmará sua madrinha. Chico perdeu a paciência.

—  Por que sua mãe não voltava para casa?
—  Onde estava o tal anjo bom?

A aparição acalmou o menino:
Seja humilde. Se você lamber a ferida, faremos o remédio para curá-la.

No dia seguinte, pela manhã e em jejum, Chico iniciou a missão. Fechava os olhos, pedia forças à mãe e lambia a perna do garoto. O gosto era amargo e ele só queria ter a língua maior para acabar logo com o suplício. Na terceira sexta-feira, o ferimento estava cicatrizado.

Pela primeira vez, Rita de Cássia elogiou o afilhado: Muito bem, Chico. Você obedeceu direitinho. Louvado seja Deus. O menino não sabia, mas passaria a vida lambendo feridas alheias. As aulas na casa de Rita de Cássia terminaram dois meses depois, quando João Cândido Xavier se casou com Cidália Batista.

A primeira medida da mulher foi recolher os nove filhos do primeiro casamento do marido, dispersos pelas casas de parentes e amigos. Chico chegou por último. Quando apareceu, enfiado num camisolão, foi recebido com curiosidade por Cidália.

Ela reparou na barriga inchada do menino e tentou levantar sua roupa para examinar o abdômen. Não conseguiu. Chico, então com sete anos, se desvencilhou, tímido. Havia gente demais em volta. Cidália o pegou pela mão e o tirou da sala, a passos lentos, no ritmo de Maria João de Deus.

A sós, a mulher de João Cândido levantou o camisolão do garoto e levou um susto ao deparar com a ferida aberta a garfadas. Enquanto eu viver, ninguém mais vai pôr as mãos em você. Diante da promessa, Chico teve certeza: aquele era o tal anjo anunciado pela mãe.

Após reunir as crianças, Cidália decidiu colocá-las no colégio. Não seria nada fácil, O salário mal dava para o indispensável. Como comprar caderno, lápis, livros? Pediu a ajuda de Chico. Plantaria uma horta, e ele venderia os legumes.

O menino abriu um sorriso e arregaçou as mangas. Sempre descalço, carregou baldes com água, encheu balaios com esterco colhido no campo e, em poucas semanas, já percorria as ruas da cidade com um cesto de verduras a tiracolo. Cada maço de couve ou cada repolho valia um tostão.

Até dezembro de 1918, de tostão em tostão, eles conseguiram juntar 32 mil-réis. Em janeiro, Chico já estava matriculado no Grupo Escolar São José.

Mas as alucinações persistiam. O menino se levantava da cama no meio da noite, batia papo com fantasmas e, muitas vezes, estragava o café da manhã do pai com notícias de parentes mortos e descrições de viagens por cenários fantásticos.

Cidália escutava, não entendia, mas jurava acreditar no garoto. Um dia, quem sabe, vai aparecer alguém que entenda você e explique suas visões e as vozes que você escuta - dizia para Chico.

Mas ela estava preocupada. O menino deveria poupar o pai de suas histórias. Para ele, o filho estava mesmo endemoniado. Talvez Deus desse um jeito. João Cândido levou o "aluado" até o padre Sebastião Scarzello. O menino ajoelhou-se no confessionário e desfiou seu rosário de histórias mirabolantes.

Nas missas, pela manhã, figuras reluzentes transformavam as hóstias em focos de luz e defuntos conhecidos de Pedro Leopoldo reapareciam com rosas nas mãos. Contra delírios tão estapafúrdios, só mesmo uma saraivada de rezas, uma série de novenas pelo descanso dos mortos e muito trabalho.

Foi o padre Scarzello quem livrou o menino do risco de ser internado como louco. A salvação não veio com as mil ave-marias ou com as pedras equilibradas na cabeça por Chico durante as procissões.

Veio com o salário. A fábrica de tecidos estava empregando crianças para o turno da noite e o padre aconselhou Chico a se candidatar à vaga. Só assim o pai tiraria aquela idéia da cabeça. Melhor um filho com dinheiro para ajudar em casa do que um maluco hospitalizado.

Com nove anos, Chico começou a trabalhar como tecelão. Entrava às 3h da tarde, saía à 1h da manhã, dormia até as 6h, ia para a escola, saía às 11h, almoçava, dormia uma hora depois do almoço, entrava de novo na fábrica. Nem parecia aquele menino mal-assombrado. Era só fachada.

Depois do trabalho, corria para o quintal. Ia conversar com Cidália, sempre debruçada sobre a roupa suja no tanque. Nesses encontros, ele costumava enxergar, próximas ao varal, figuras cobertas com mantos coloridos. Perguntava à segunda mãe quem era aquela gente e ficava sem resposta.

Um dia, o garoto arriscou uma tese, baseado na profusão de azuis, vermelhos, verdes e amarelos. Acho que eles moram no arco-íris. Cidália desconversava:
—  Sou muito ignorante, mas acredito em você. Só não entendo direito.

O padre Scarzello decidiu ser mais rigoroso e aconselhou o pai a afastar Chico da má influência dos livros, revistas e jornais.  João fez uma fogueira com as páginas proibidas. Inconformado com o pai e o padre, Chico recorreu à mãe invisível:

—  Eles estão contra mim.
—  Acham que estou perturbado.

Ouviu mais um conselho:
Aprenda a calar-se. Quando se lembrar, por exemplo, de alguma lição ou experiência recebida em sonho, fique em silêncio. Mais tarde talvez você possa falar.





« Última modificação: 12 de Maio de 2015, 21:54 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #5 em: 11 de Maio de 2015, 22:48 »
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5º-)

Chico calou-se. Restringíu seus desabafos à confissão. Azar dele. O padre Scarzello decidiu, a pedido do pai do menino, ter uma conversa mais dura com o garoto. E renegou os pretensos bate papos entre Chico e a mãe.

—  Ninguém volta a conversar depois da morte. O demônio procura perturbar-lhe o caminho.

—  Mas, padre, foi minha mãe quem veio.
—  Foi o demônio.

À noite, depois de muito choro, Chico sonhou que encontrava Maria João de Deus.

Foi a segunda despedida deles. A mãe lhe cobrou obediência a João Cândido e ao padre, pediu que não brigasse por sua causa e avisou que sumiria de vista. Chico acordou sacudido por soluços e enxugou os olhos, resignado. Só a veria de novo sete anos depois.

Na escola, fatos estranhos aconteciam. Muitas vezes, o menino sentia mãos inexistentes sobre as suas, guiando seus movimentos.

Os colegas se chateavam com as visões do filho de João Cândido e, durante o recreio, tentavam colocar, a socos e pontapés, um pouco de juízo naquela cabeça dura. Intimidado, Chico abriu mão do descanso entre as aulas.

Em 1922, o país comemorava o centenário da Independência. O governo de Minas instituiu vários prêmios de redação para alunos da quarta série primária. Chico estava prestes a começar o texto quando viu um homem a seu lado ditando o que ele deveria escrever.

Perguntou ao companheiro de banco se ele estava vendo algo. O colega negou. Chico pediu licença à professora, Rosária Laranjeira, uma católica fervorosa, aproximou-se do estrado onde ela ficava e lhe contou o que estava acontecendo.

—  O que o homem está mandando você escrever?

Chico repetiu a frase:
—  O Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral, pode ser comparado ao mais precioso diamante do mundo, que logo passou a ser engastado na coroa portuguesa...

Dona Rosária disse que não era nada normal que ele visse pessoas que ninguém via, garantiu que ele deveria estar ouvindo a si mesmo e mandou-o de volta à carteira. Não importava se o texto fosse ditado ou não por algum homem invisível. O importante era concluí-lo.

Algumas semanas depois, a Secretaria de Educação de Minas divulgou os resultados do concurso, disputado por milhares de estudantes.

Chico Xavier, de Pedro Leopoldo, recebeu menção honrosa. A turma ficou dividida, Colegas espalharam o boato de que o garoto tinha copiado o trecho premiado de um livro qualquer.

Outros, a minoria, apostaram nos dons, mediúnicos ou literários, do amigo. Os grupos se formaram e alguém, na sala, lançou o desafio. Se o texto dele foi ditado por alguma pessoa do outro mundo, por que esse homem não reaparecia para escrever sobre algum assunto proposto pelos colegas?

No exato momento do desafio, Chico viu a assombração pronta para escrever e comunicou o fato à professora. Ela resistiu à ideia, mas a pressão dos colegas foi mais forte. Enquanto Chico caminhava até o quadro-negro, uma das alunas, Oscarlina Lerroy, propôs o assunto: areia.

—  Tenho carregado muita areia para ajudar meu pai numa construção.

As gargalhadas ecoaram na sala. O tema era insignificante, ridículo. Chico pegou o giz. Silêncio absoluto.

Palavras inusitadas se arrastaram pelo quadro-negro:
  "Meus filhos, ninguém escarneça da criação. O grão de areia é quase nada, mas parece uma estrela pequenina refletindo o sol de Deus".

Após o espetáculo, dona Rosária proibiu qualquer comentário na sala de aula sobre pessoas invisíveis.

Chico concluiu o primário em 1923, após repetir a quarta série. A repetência não foi provocada por falta de estudo, mas de saúde. O menino enfrentava problemas respiratórios. Seu pulmão sofria com a poeira do algodão na fábrica de tecidos.

A professora se apegou tanto a ele que, quando foi transferida para Belo Horizonte, pediu a João Cândido para levar o garoto com ela. O pai não autorizou. Precisava do salário de Chico.

No ano seguinte, por recomendação médica, o garoto trocou a tecelagem pelo Bar do Dove, de Claudomiro Rocha. Varria o chão, lavava a louça, cozinhava e continuava mal-assombrado. Quando já tinha quinze anos, pediu socorro ao padre Scarzello.

Em meio a uma crise de choro, Chico se queixou do assédio incessante de um espírito sofredor. O padre, impressionado com a devoção do rapaz a Jesus, lhe disse para não se desesperar com as vozes e visões.

Se elas vieram da parte de Deus, ele irá te abençoar e te dar forças para fazer o que deve ser feito. Após o discurso, saiu com o garoto da igreja e lhe comprou um par de sapatos. Chico deixou de andar descalço.

O salário do Bar do Dove era miserável e, depois de dois anos de dificuldades, o garoto se mudou para o armazém de José Felizardo Sobrinho, o ex-marido de Rita de Cássia, já morta e substituída por Júlia Antônia de Carvalho.

Com um facão afiado na mão, o garoto estava sempre pronto a cortar toucinho para o freguês e ficava feliz da vida quando o patrão vendia fiado. Atrás do balcão, pesava o arroz, cortava a lingüiça, arrumava as prateleiras.

Atendia a todos, paciente, das 6h30 da manhã às 8h da noite. No final do mês, recebia 13 mil-réis. Uma ninharia. Mas não reclamava.

Seu único drama era vender cachaça. O sujeito bebia e Chico tinha que carregar. Nessa época, ele fez amizade com a nova mulher de Felizardo. Bordava com ela e ensaiava, a seu lado, pinceladas sobre panos presos a arcos de madeira.

—  Namoradas?
—  Nenhuma.

Só se permitia arroubos apaixonados por encomenda, quando, a pedido dos amigos, escrevia cartas de amor às namoradas deles. O rapaz era esquisito mesmo. Comungava, confessava, ia à missa, acompanhava procissões e trabalhava muito. Além do normal.

Em 1927, uma das irmãs de Chico, Maria Xavier, ficou doente. Delirava, arregalava os olhos, se contorcia, suava frio, urrava impropérios. Médico nenhum deu jeito.

A situação era tão dramática que João Cândido decidiu passar por cima do padre e apelar para um casal de amigos espíritas.

Foi até a Fazenda de Maquiné, em Curvelo, a cem quilômetros de Pedro Leopoldo, e voltou de lá com José Hermínio Perácio e sua mulher Carmem.

Pela manhã, em 7 de maio de 1927, o casal atacou com passes e rezas a doença: um "espírito obsessor". Chico acompanhou o ritual e participou, assim, de sua primeira experiência no espiritismo.

Nesse dia, recebeu de José Hermínio Perácio explicações sobre os fantasmas que o cercavam desde menino, foi apresentado ao Evangelho Segundo o Espiritismo e ao O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, e conheceu uma palavra-chave: mediunidade.

O médium seria um intérprete dos espíritos na Terra. A irmã melhorou e, no dia seguinte, embarcou com José Hermínio e Carmem para a fazenda deles. Precisava de tratamento prolongado.

Na mesma semana, Chico voltou à igreja. Mas apenas para se despedir do padre. Mais uma vez, se ajoelhou no confessionário e contou tudo: o tratamento da irmã, sua melhora, a sessão de passes, as idéias de Kardec, sua intenção de se dedicar à mediunidade.

Scarzello disse que não conhecia o espiritismo e, por isso, não podia julgar. Sabia apenas que a Igreja rejeitava o espiritismo e que Chico era jovem demais para assumir compromissos e tomar decisões.

O rapaz estava irredutível e o padre ficou em silêncio. Chico não queria deixar o ex-confessor contrariado e pediu a ele sua mão. O padre estendeu a mão direita. Depois de beijá-la, o ex-católico fez mais um pedido.

Queria ser abençoado. Scarzello atendeu. Seja feliz, meu filho. Rogarei à Mãe Santíssima para que te abençoe e proteja. Chico levantou-se e saiu. Quando chegou à porta, olhou para trás. O padre o acompanhava com os olhos e sorria. Nunca mais se viram.

No dia 21 de junho de 1927, Chico já ajudava na fundação do primeiro centro espírita da cidade, num barracão onde morava o irmão dele, José Xavier. O dono da casa assumiu a presidência, Chico ficou como secretário e seu patrão, José Felizardo, virou tesoureiro.

Faltava o nome do centro. Todos pensaram, pensaram e decidiram: Luiz Gonzaga. Uma homenagem ao aviador Charles Lindbergh, que tinha atravessado o oceano Atlântico, sem escalas, a bordo de seu avião, o Spirit ofSt. Louis.

Ninguém ali sabia, mas o piloto quis homenagear, com o nome da aeronave, o rei da França e não São Luiz Gonzaga.

De qualquer forma, o batismo do centro não foi tão despropositado assim. O monarca francês tinha protegido Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita, no século passado e, portanto, merecia algum respeito.

Em julho, menos de três meses após a primeira sessão de rezas e passes, a irmã de Chico voltou para casa sã e salva. Na noite do dia 8 de julho, todos se reuniram para agradecer a cura.

Carmem Perácio, que acompanhou Maria Xavier até Pedro Leopoldo, participou da sessão e ouviu uma voz aconselhando Chico a tomar o lápis.

Ele obedeceu e, de repente, se sentiu fora de seu corpo. As paredes desapareceram, o telhado se desfez e, no lugar do teto, ele viu estrelas. Olhando em volta, notou uma assembléia de "entidades" que o fitavam. Para ele, eram os habitantes do arco-íris.

Naquela noite, Chico preencheu dezessete páginas. Sem rasuras, sem borracha, em velocidade. Quem assinou foi um "amigo espiritual".

Quando o rapaz pôs o ponto final tinha as pernas trêmulas e o coração acelerado. Dois dias depois, Carmem e o marido convidaram Chico a passar uns dias na fazenda.

 



« Última modificação: 12 de Maio de 2015, 21:55 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #6 em: 11 de Maio de 2015, 23:40 »
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6º-)

Eles rezavam quando Carmem, mais uma vez, ouviu uma voz suave. Era um tal de Emmanuel, "amigo espiritual" de Chico. Depois do som, veio a imagem.

Um jovem imponente, com vestes sacerdotais e aura brilhante:
—  Irmã, fale ao Chico para ele tomar papel e lápis.

Chico Xavier não viu nem ouviu nada. Buscaram o material, ele segurou o lápis e as frases começaram a se espalhar pelas páginas. No texto, referências ao tratamento da irmã, detalhes sobre a vida dos irmãos e um recado pessoal:
  "Eis que nos achamos juntos novamente. Os livros à nossa frente [O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos] são dois tesouros de luz. Estude-os, cumpra seus deveres e, em breve, a bondade divina nos permitirá mostrar a você seus novos caminhos".

A assinatura não era de Emmanuel, mas de Maria João de Deus. Após sete anos de ausência, ela dava novos sinais.

No fim daquele ano, havia muitos candidatos à mediunidade no Centro Luiz Gonzaga. Uns queriam receber recados do além, outros estavam loucos para incorporar espíritos.

O entusiasmo era contagiante quando, em outubro, desembarcaram em Pedro Leopoldo quatro moças ensandecidas, todas filhas de Rita Silva. Vinham da região de Pirapora.

A mãe estava desesperada. E não era para menos: o quarteto se mordia, se debatia, gritava. Uma das vítimas precisou ser acorrentada para chegar até ali inteira.

Chico, mais uma vez, lançou sobre o papel mensagem assinada por Maria João de Deus:
  "Meus amigos, temos desejado o trabalho e o trabalho nos foi enviado por Jesus. Nossas irmãs doentes devem ser amparadas aqui no centro. A fraternidade é a luz do espiritismo. Procuremos servir com Jesus".

Era uma noite de segunda-feira. Quando chegou a reunião de sexta, sobraram na sala José, Chico e as loucas. Mais ninguém.

Eles rezaram, rezaram, leram o Evangelho, tentaram conversar com os "obsessores", ou melhor, com as assombrações responsáveis pelos tormentos das coitadas, e nada.

O tratamento seria longo. Numa das noites, a situação piorou. José teria que viajar a serviço - era seleiro - e, para não deixar Chico sozinho com as moças "obsediadas", pediu ajuda a um recém-chegado, o Manuel.

Segundo os vizinhos, ele era capaz de acalmar os espíritos das trevas. O forasteiro aceitou o convite e, na hora combinada, apareceu no Centro Espírita Luiz Gonzaga armado com uma Bíblia puída. A sessão começou pacífica.

Como sempre, depois das preces, Chico emprestou seu corpo aos habitantes do além. Primeiro, veio um "espírito amigo" para orientar Manuel. Quando o perseguidor se apossar do médium, aplique o Evangelho com veemência.

Não demorou muito e um novo visitante do outro mundo apareceu. Estava descontrolado. Manuel nem pensou duas vezes.

Tomou a Bíblia e bateu com ela muitas vezes sobre a cabeça de Chico, gritando, irritado:
  Pois tome Evangelho, tome Evangelho.

O tal espírito perseguidor desapareceu, a sessão foi encerrada e Chico sofreu violenta torção no pescoço. Mais tarde, ele se divertiria com a história, certo de que foi uma das poucas pessoas no mundo a levar surra de Bíblia.

Só com muito custo, após muita reza, as quatro irmãs voltaram para casa sem a companhia de assombrações. As histórias se espalhavam, viravam lenda.

De Belo Horizonte, começavam a aparecer curiosos. Um deles, em um carro novo em folha, estacionou perto de Chico e perguntou ao rapazola de calças curtas onde morava o tal Chico Xavier.

O rapaz ficou sem graça. Teria que decepcionar o forasteiro.
—  Sou eu.

O visitante encarou os sapatos puídos e enlameados do rapaz, engatou a primeira e acelerou após se despedir:
—  Se você não arrumou nem pra você, imagine pra mim.

No final do ano, em 29 de outubro de 1928, o Centro Espírita Luiz Gonzaga mudou de endereço: saiu do barracão de José Xavier e se espalhou por uma sala alugada na casa de José Felizardo Sobrinho.

Ganhou até um novo estatuto. Quem assinou a "ata de installação" foi o secretário Francisco Xavier: Aos vinte e nove de outubro de mil novecentos e vinte e oito, às oito horas da noite, foi reorganizado o Centro Espírita Luiz Gonzaga.

Ficou decidido entre todos os presentes que ficasse estabelecida a mensalidade de um mil-réis e que fosse alugado a vinte mil-réis mensais o salão da residência do senhor José Felizardo Sobrinho para que aí fique installada a sede interina da associação...

A programação no centro seria intensa. Às segundas, quartas e sextas-feiras, sessões públicas de estudo e divulgação da doutrina "espírita-scientifica-cristã". Às quintas, sessões privadas e de caridade.
    "Para todos os efeitos, firmo a presente ata que assino".

Menos de três meses depois, em 18 de janeiro de 1929, uma sexta-feira, Carmem Perácio viu cair do teto, após a sessão evangélica, uma chuva de livros sobre a cabeça de Chico. Contou a visão ao rapaz e ele tratou de dispensar o presente dos céus.

Não mereço que os espíritos me tragam lírios. Não entendeu direito. Mais uma vez, não viu nem ouviu nada. Logo ele começou a cobrir páginas e páginas com poemas. Alguns ele assumia como seus. Como o dedicado ao amigo José Tosta, logo após a morte dele, em 27 de abril de 1929.

A primeira estrofe estava longe de ser divina:
    "Companheiro que à Pátria regressaste/ entre auréolas de luzes majestosas/ a levar tantas flores perfumosas/ a Jesus, tanto amor, que tanto amaste".

Nessa época, ele ainda era o "poeta espírita que desabrocha em Pedro Leopoldo", como definiu Pereira Guedes, um dos divulgadores do espiritismo que o ajudaram a se lançar. Os melhores poemas escritos por Chico eram obras sem dono. O poeta negava a autoria dos versos.

Eles apareciam quando o rapaz, aflito, sentia uma pressão na cabeça como se um cinto de chumbo comprimisse seu cérebro - e um peso no braço direito, como se ele se transformasse numa barra de ferro e fosse arrastado por forças poderosas.

Os textos se acumulavam anônimos e repetiam a mesma cartilha:
—  Amor, compreensão, tolerância.

Os companheiros do centro liam a papelada e sugeriam a publicação. Só havia um problema.
—  Quem assinaria as obras?

Chico consultou o irmão, José Cândido, e eles decidiram pedir conselhos ao diretor do jornal espírita carioca Aurora, Inácio Bittencourt.

O jornalista convenceu o rapaz de Pedro Leopoldo a colocar seu nome embaixo dos poemas. "F. Xavier" começou a aparecer em várias publicações com o consentimento dos escritores invisíveis.

Chico nunca se esqueceu de como o soneto "Nossa Senhora da Amargura" chegou às suas mãos e se espalhou pelo papel.

Uma noite, ele rezava quando viu aproximar-se uma jovem reluzente. Pediu papel e lápis e começou a escrever. A aparição chorava tanto que Chico começou a se debulhar em lágrimas também.

No final das contas, ele já não sabia se os seus olhos eram os dela ou vice-versa. Muito mais tarde identificaria a dona daquelas pupilas: a poeta Auta de Souza, do Rio Grande do Norte, que morreu em 1901, com 24 anos.

Na época, ele assinou embaixo F. Xavier - e se sentiu culpado quando recebeu de um crítico português uma carta recheada de pontos de exclamação e adjetivos entusiasmados. Recebi elogios por um trabalho que não me pertencia.

Em 1931, Chico já não sentia a pressão alucinada na cabeça nem o enrijecimento doloroso no braço. Tinha aprendido a se entregar, a não criar resistência.

Às vezes, um volume imaterial aparecia diante de seus olhos e era dali, daquelas páginas invisíveis, que Chico copiava os textos do outro mundo.

Em outras ocasiões, escrevia como se alguém lhe ditasse as mensagens e, enquanto colocava as palavras no papel, experimentava no braço a sensação de fluidos elétricos e, no cérebro, vibrações indefiníveis.

De vez em quando, esse estado atingia o auge e Chico perdia a sensação do próprio corpo. Sem medo, já podia ser o instrumento passivo dos mortos-vivos. Um feiticeiro. Um maluco incapaz de separar o sonho da realidade. Os rumores persistiam na cidade.

Um padre de Belo Horizonte fez um discurso inflamado na igreja de Pedro Leopoldo contra o espiritismo e encerrou o sermão mandando Chico Xavier para o inferno.

O rapaz, impressionado, correu para o colo invisível da mãe, contou seu drama e ouviu dela o muxoxo:
- E daí? Ele te mandou para o inferno, mas você não vai. Fique na Terra mesmo...

Poucas semanas depois, um intelectual, também de Minas, desembarcou na cidade. Chico vestiu sua melhor roupa e, com a pasta de poemas debaixo do braço, foi levado por um amigo até o forasteiro.

O literato passou os olhos pelos versos, classificou tudo como "bobagem" e, com os olhos fixos no autor, encheu a boca:
—  Este rapaz é uma besta.

O amigo de Chico defendeu a inteligência dele, sua dedicação aos espíritos, seu cuidado com os poemas vindos do outro mundo.

O intelectual reviu seu julgamento.
—  É uma besta espírita.

Chico, inconformado, buscou abrigo, mais uma vez, sob as saias de Maria João de Deus.
—  Viu como eu fui insultado?





« Última modificação: 15 de Maio de 2015, 02:37 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #7 em: 12 de Maio de 2015, 00:22 »
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7º-)

Ouviu mais um muxoxo materno:
—  Não vejo insulto algum. Acho até que você foi muito honrado. Uma besta é um animal de trabalho. E é valioso e útil, a serviço do espiritismo, quando não dá coices.

Preocupado com a própria "rebeldia" e em estado de depressão, Chico teve mais uma visão. Um burro teimoso atrelado a uma carroça carregada de documentos puxava a carga e encarava com inveja os companheiros livres no pasto.

De vez em quando, enquanto era alimentado com água e alfafa, assistia, de longe, às brigas violentas entre os colegas. Uma sucessão de coices sanguinolentos.

Chico olhou aquele burro e pensou:
—  Talvez fosse melhor estar sob freios do que estar solto no pasto da vida para escoicear e ser escoiceado.

Disse ele, pronto para receber os arreios.
—  Aprendi a lição!

Chico já estava cansado. Trabalhava, lutava no centro, fazia caridade, escrevia quase por compulsão e continuava desacreditado. Ele reclamava dos incrédulos, se queixava dos comentários envenenados e se entregava à reza.

Após uma das várias orações, Maria João de Deus voltou à cena e, em vez de um conselho, sugeriu um remédio.
—  Meu filho, para curar essas inquietações, você deve usar água da paz.

Chico saiu à procura do remédio em todas as farmácias de Pedro Leopoldo. Nada. Recorreu a Belo Horizonte. Nada de novo. Ao fim de duas semanas, comunicou à mãe o fracasso da busca.

A aparição ensinou:
—  Não precisava viajar. Você poderá obter o remédio em casa mesmo. Pode ser a água do pote.

—  Como assim?
—  Quando alguém lhe fizer provocações, beba um pouco de água pura e conserve-a na boca. Não a lance fora nem a engula.  Enquanto persistir a tentação de responder, guarde a água da paz banhando a língua.

Chico engoliu a lição do silêncio. E digeriu. Nessa noite, sentiu o braço movido por alguém.

Tomou o lápis e despejou os versos:
  "Meu amigo, se desejas: paz crescente e guerra pouca, ajuda sem reclamar/ e aprende a calar a boca".  Dessa vez, o recado veio com assinatura: Casimiro Cunha, poeta de Vassouras, morto em 1914.

As visitas do outro mundo começaram a se identificar a partir de 1931. Uma tarde, Chico regava os canteiros de alho na horta de José Felizardo, quando uma voz lhe pediu que ouvisse com atenção um poema inédito: "Vozes de uma Sombra". O dono da voz e dos versos se anunciou como Augusto dos Anjos.

E começou a lançar no ar palavras insólitas.
  "Donde venho? Das eras remotíssimas/ Das substâncias elementaríssimas/ Emergindo das cósmicas matérias".

Chico ouvia, regava o alho e perdia o fio da meada.
  "Venho dos invisíveis protozoários/ Da confusão dos seres embrionários/ Das células primevas, das bactérias..."

A voz pedia toda a atenção. Precisava recitar os versos naquele momento, durante o entardecer, e naquele cenário. Tudo o inspirava. Chico deveria ouvir as palavras, familiarizar-se com elas e decifrá-las para mais tarde colocar as rimas no papel sem dificuldade.

Corpos multiformes, vultoso abdômen, intensas torpitudes, larvas rudes, animáculo medonho, fótons, galáxias. O rapaz tropeçava nas sílabas e nos significados daquele palavrório.

E, com o regador a tiracolo, parecia um imenso ponto de interrogação. O poeta invisível perdeu a paciência com a dificuldade do matuto de Pedro Leopoldo em entender os versos e entregou-se a Deus:
  Quer saber de uma coisa? Vou escrever o que puder, pois sua cabeça não aguenta mesmo.

O poema foi destaque do primeiro livro publicado por Chico Xavier, Parnaso de Além-Túmulo, ao lado de outros 56 atribuídos a catorze poetas, todos enterrados. Para não se perder em meio às palavras desconhecidas, Chico costumava recorrer ao dicionário.

Só assim descobria o sentido de algumas delas e corrigia a ortografia de outras. Os poemas saíam de sua mão acompanhados de assinaturas inacreditáveis: Castro Alves, Alphonsus de Guimarães, Olavo Bilac.

Até Dom Pedro II tomou coragem e arriscou versos sobre um Brasil "triste e saudoso", que rimava com "bonançoso", e sobre uma "alma torturada", que combinava com "pátria idolatrada".

Chico aproveitava cada minuto livre para escrever. E, no início, quando a eletricidade nem tinha chegado a Pedro Leopoldo, era surpreendido por acidentes estranhos.

Enquanto prestava atenção aos ditados do além ou sentia as mãos guiadas à revelia, ventos súbitos lançavam velas acesas sobre as mensagens e derrubavam o tinteiro sobre o papel. O rapaz encarava os obstáculos como provação e seguia adiante.

A notícia de suas estripulias lítero-espirituais começou a correr. Por essa época, Chico estava no enterro de um amigo, quando um jovem padre se aproximou e perguntou se era verdade que ele recebia mensagens do outro mundo. Chico confirmou.

E o padre aconselhou cautela. - Os espíritos das trevas têm muita astúcia para seduzir para o mal. Mas os espíritos que se comunicam através de mim só ensinam o bem.

Diante da resposta, o padre lançou o desafio. Puxou um papel em branco do bolso e perguntou se ali, naquele momento, no cemitério, haveria um espírito disposto a se manifestar.

Chico, sem hesitar, pegou o papel, se concentrou e, minutos depois, escreveu um soneto intitulado "Adeus". A primeira das quatro estrofes:
  "O sino plange em terna suavidade/ no ambiente balsâmico da igreja/ entre as naves, no altar, em tudo adeja/ o perfume dos goivos da saudade". Assinado: Auta de Souza.

Numa noite de 1931, quando escrevia mais um dos poemas de seu livro de estréia, Chico sentiu o olho esquerdo invadido por fragmentos de areia. Esfregou os grãos imaginários, mas a coceira continuou.

Experimentou fixar a lâmpada com a pupila incomodada, mas em vez da luz acesa viu um foco difuso. Mal conseguia enxergar os versos recém-escritos e assinados por Casimiro de Abreu. O rapaz ficou assustado e rezou mais uma vez.

O Dr. Bezerra apareceu para ele, tateou o olho e diagnosticou:
—  Sua vista amoleceu por razões que não podemos saber agora. Prepare-se para ir a tratamento em Belo Horizonte, para que sua família não diga que você ficou sem se tratar por nossa causa.

Dois dias depois, um amigo o levou à capital mineira e um oftalmologista diagnosticou:
—  Isso é um tipo de catarata obscura e inoperável.

Chico nunca mais se livrou dos grãos de areia e ficou desconfiado de ter sido atacado por "falanges das trevas" interessadas em prejudicar sua tarefa mediúnica. Desde então, todos os dias, ele medicaria o olho doente com colírios à base de cortisona e cloranfenicol.

Na época em que sofria com os primeiros sintomas da catarata, Chico recebeu mais um pedido de socorro no Centro Luiz Gonzaga: um cego, guiado por um bêbado, tinha despencado de uma altura de quatro metros. Desmaiado e ensangüentado, já estava há horas embaixo de um viaduto da cidade.

O rapaz correu para ajudar. Alugou um quarto num velho pardieiro para o homem e conseguiu um médico de graça. Mas o doente precisava de companhia durante o dia, enquanto Chico trabalhava no bar de José Felizardo.

O caixeiro publicou um anúncio no jornal semanal da cidade pedindo socorro. Seis dias depois, duas moças apareceram dispostas a ajudar o enfermo durante o dia. Trabalhavam à noite: eram prostitutas. A recuperação do doente durou um mês.

Após acompanhar as rezas de Chico, as duas decidiram mudar de vida. Foram para Belo Horizonte. Uma se empregou numa tinturaria, a outra tornou-se enfermeira. Foi o primeiro de uma série de encontros entre Chico e as "nossas irmãs que comercializam a força sexual", segundo um dos eufemismos usados por ele.

Meses depois, um amigo de seu pai o convidou para dar um passeio à noite e o levou ao bordel. Chico não se apavorou nem se inibiu. Perguntou o porquê daquele programa.

O acompanhante confessou: estava atendendo a um pedido do pai de Chico, preocupado com a virgindade tardia do filho. O rapaz perdeu a paciência e, rispidamente, disse que se quisesse ir até ali não precisaria de guia.

Ao entrar no salão, ele foi reconhecido. Vejam quem está aqui... Vamos fazer uma prece juntos. As mulheres não estavam brincando. De repente, o bordel virou um centro espírita improvisado.

Preces, passes, "uma grande alegria cristã", segundo Chico. "Uma chatice", segundo quatro candidatos a uma noitada nada católica. O rapaz saiu de lá intacto.





« Última modificação: 12 de Maio de 2015, 21:57 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #8 em: 12 de Maio de 2015, 02:02 »
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8º-)

Muito prazer, Emmanuel:

O ano de 1931 foi movimentado para Chico. E triste. Cidália morreu em março. Pouco antes de ir embora, chamou o enteado e fez um pedido: ele deveria evitar que João Cândido se desfizesse, novamente, dos filhos - seis dela e nove do primeiro casamento.

Ah, mãe, fique despreocupada. Eu prometo que, enquanto minha última irmã não estiver casada, minha missão no lar não terá acabado. Depois da promessa, o apelo. Não vá embora, não.

—  Com quem vou conversar sobre minhas visões?
—  Quem vai acreditar em mim?

Num último esforço, Cidália o consolou. Tenho fé de que você ainda há de encontrar aquelas pessoas do arco-íris e elas vão te entender mais do que eu.

Chico se sentia sozinho apesar das visitas esporádicas da mãe e das sessões no Centro Luiz Gonzaga. Para escapar do coro dos céticos, ele arrastava os pés pelas ruas de terra do arraial e, com os sapatos sempre frouxos, tomava o rumo do açude.

Aquele era seu refúgio. Ali, ele se encolhia à sombra de uma árvore, na beira da represa, encarava o céu e rezava ao som das águas.

Em 1931, o bucolismo da cena deu lugar ao fantástico. O rapaz teve sua conversa com Deus interrompida pela visita de uma cruz luminosa. Franziu os olhos e percebeu, entre os raios, a poucos metros, a figura de um senhor imponente, vestido com túnica típica de sacerdotes.

O recém-chegado foi direto ao assunto.

—   Está mesmo disposto a trabalhar na mediunidade?
—   Sim, se os bons espíritos não me abandonarem.
—   Você não será desamparado, mas para isso é preciso que trabalhe, estude e se esforce no bem.

—   O senhor acha que estou em condições de aceitar o compromisso?
—   Perfeitamente, desde que respeite os três pontos básicos para o serviço.

Diante do silêncio do desconhecido, Chico perguntou:
—   Qual o primeiro ponto?

A resposta veio seca:
—  Disciplina.

—  E o segundo?
—  Disciplina.

—   E o terceiro?
—   Disciplina, é claro.

Chico Xavier concordou.
E o estranho aproveitou a deixa:

—   Temos algo a realizar. Trinta livros para começar.

O rapaz levou um susto.
Como iria comprar tinta e papel?
Quem pagaria a publicação de tantos títulos?

O salário de caixeiro no armazém de Felizardo mal dava para as despesas de casa, os 13 mil-réis mensais eram gastos com catorze irmãos; seu pai era apenas um vendedor de bilhetes de loteria.

Chico arriscou uma previsão.
—   Papai vai tirar a sorte grande?

O forasteiro encerrou as apostas:

—   Nada, nada disso.
—   Sorte grande mesmo é o trabalho com fé em Deus.

—   Os livros chegarão por caminhos inesperados. O roteiro estava escrito.

Restava ao matuto de Pedro Leopoldo - seguir as instruções. Seus passos, tropeços e quedas, muitas quedas, seriam acompanhados de perto por aquele estranho a cada dia mais íntimo.

O nome dele: Emmanuel, o mesmo que tinha se apresentado a Carmem Perácio quatro anos antes.

A missão: guiar o rapazote e evitar que ele fugisse do script traçado no além. Chico deveria colocar no papel as palavras ditadas pelos mortos e divulgar, por meio do livro, a doutrina dos espíritos.

O ex-aluno do Grupo São José ganhou de presente um professor particular constante e rigoroso. Nessa trama insólita, ele assumiu "o papel de um animal freado, irrequieto".

Emmanuel segurou as rédeas e estalou o chicote.

—   Chico disparou. E levantou poeira.
—   Quem seria, afinal, este Emmanuel?

Poucos meses após o encontro no açude, chegou às livrarias o primeiro título da série inicial de trinta: Parnaso de Além- Túmulo. Um escândalo. Parnaso de Além-Túmulo era quase um sacrilégio. Arrancava da sepultura poetas tão célebres quanto mortos.

Augusto dos Anjos, enterrado em 1914, aos trinta anos, voltava à tona com uma dúvida em "Incógnita": Porque misterioso incompreensível Vomito ainda em náuseas para o mundo Todo o fel, toda a bílis do iracundo Se eu já não tenho a bílis putrescível? Após falar de pestilências cadavéricas, de pútridos fedores e emanações pestíferas, o autor de Eu exigia em "Voz do Infinito":

Descansa, agora, vibrião das ruínas Esquece o verme, as carnes, os estrumes Retempera-te em meio dos perfumes.

Muito menos metafísicas eram as rimas de Casimiro de Abreu, morto de tuberculose em 1860, aos 21 anos. Em Lembranças, ele ressuscitava com fôlego e certa excitação: "Teus lindos pés descalçados Pisando de manhãzinha A verde relva dos prados Moreninha".

A coletânea de poemas assinados por catorze defuntos ilustres chegou às livrarias em 1932 e provocou alvoroço. Os céticos enfrentavam dilemas.

—  Se os versos foram criados mesmo pelo jovem de Pedro Leopoldo, por que ele não assumia a autoria?
—  Por que trocava a possível consagração como poeta de talento ou como imitador genial pela inevitável suspeita de ser um impostor, um mentiroso?

O escritor Zeferino Brasil, integrante da Academia Riograndense de Letras, traduziu a perplexidade geral numa crônica publicada no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre:
  "Ou os poemas em apreço são de fato dos autores citados e foram realmente transmitidos do além ao médium ou o sr. Francisco Xavier é um poeta extraordinário, capaz de imitar os maiores gênios da poesia universal".

Os mais desconfiados folheavam o Parnaso de Além-Túmulo e arriscavam palpites psicanalíticos sobre o autor. O matuto, leitor compulsivo, dono de memória prodigiosa, incorporava o estilo dos poetas inconscientemente. Os versos vinham de seu subconsciente.

Chico deveria ser estudado como um caso de esquizofrenia. Outros, menos freudianos, defendiam uma tese simples e direta: o livro era pura jogada de marketing. Francisco Cândido Xavier queria chamar a atenção.

Em breve, ele convocaria a imprensa mineira, estufaria o peito e revelaria: "Estes poemas foram escritos por mim mesmo. Sou poeta". O dia da confissão demorava a chegar.

O autor não só insistia em renegar o mérito dos versos como dispensava o dinheiro arrecadado com a publicação.

Reverteu todos os direitos autorais para a Federação Espírita Brasileira, responsável pelo lançamento da coletânea, e começou a repetir o bordão que o acompanharia nas seis décadas seguintes:

—  O livro não é meu. É dos espíritos.

Em sua defesa, ele escreveu o texto intitulado "Palavras Minhas", uma espécie de carta de apresentação incluída na introdução do livro de estréia.

Em 140 linhas, Chico descreveu seu "ambiente sobrecarregado de trabalhos para angariar o pão cotidiano, onde não se pode pensar em letras" e fez questão de descartar a intenção de "fazer um nome":
  "A dor há muito me convenceu da inutilidade das bagatelas que são ainda estimadas neste mundo". No auto-retrato, o jovem de 21 anos admitia seu "pronunciado pendor literário"

E reclamava da falta de tempo para os estudos e da ausência de estímulo da família.
"Nunca pude aprender senão alguns rudimentos de aritmética, história e vernáculo".

—   Mas, afinal, os poemas publicados eram mesmo de autoria dos poetas que os assinavam?

Nem Chico, em seus parágrafos autobiográficos, garantiu a autenticidade das assinaturas. Em consciência, não posso dizer que eles são meus, porque não despendi nenhum esforço intelectual ao grafá-los no papel.

O texto, publicado na primeira edição do Parnaso de Além-Túmulo ao lado de uma foto do autor enfiado numa gravata-borboleta, terminava com um recado do escritor a todos os leitores:
—   Em alguns despertarei sentimentos de piedade e, noutros, risinhos ridicularizadores. Há de haver, porém, alguém que encontre consolação nestas páginas humildes.

Um desses que haja, entre mil dos primeiros, e dou-me por compensado do meu trabalho. Em meio à polêmica, um dos escritores e jornalistas mais requisitados do país na época decidiu se manifestar.

No dia 10 de julho de 1932, o jornal Diário Carioca estampou no rodapé da primeira página o artigo "Poetas do Outro Mundo", assinado por Humberto de Campos, integrante da Academia Brasileira de Letras.

O "imortal" identificou nos versos escritos por Chico Xavier o estilo frouxo e ingênuo de Casimiro, largo e sonoro de Castro Alves, filosófico e profundo de Augusto dos Anjos.

E assinou embaixo: 
  "Sente-se, ao ler cada um dos autores que veio do outro mundo para cantar neste instante, a inclinação do senhor Francisco Cândido Xavier para escrever a la manière de ou para traduzir o que aqueles altos espíritos soprarem ao seu ouvido".





« Última modificação: 15 de Maio de 2015, 02:33 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #9 em: 12 de Maio de 2015, 02:41 »
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9º-)

Era quase a consagração. O autor de "Sombras que Sofrem" encerrou o artigo com um alerta insólito aos escritores sobreviventes.

Era preciso ter cuidado com os poetas mortos: Se eles voltam a nos fazer concorrência com seus versos perante o público e, sobretudo, perante os editores, dispensando-lhes o pagamento dos direitos autorais, que destino terão os vivos que lutam hoje com tantas e tão poderosas dificuldades?

Antes de pôr o ponto final, o escritor desafiou os rivais do outro mundo a ressuscitarem:
  "Venham fazer concorrência em cima da terra, com o arroz e o feijão pela hora da vida. Do contrário, não vale". Dois anos depois, Humberto de Campos morreria e vestiria a camisa dos espíritos.

A segunda edição do Parnaso de Além-Túmulo exibiria logo na introdução um artigo com sua assinatura, acompanhado de uma ressalva entre parênteses: Espírito. Ele já havia mudado de time e não achava assim tão desleal a "concorrência" entre vivos e mortos.

Antes de se retirar do planeta, o escritor assinou outra crítica sobre o livro de Chico Xavier, "Como Cantam os Mortos", também publicado na primeira página do Diário Carioca.

A manchete do dia "São Paulo em armas contra a ditadura" - descrevia como o general Isidoro Dias Lopes tinha derrubado, com suas tropas, o interventor de São Paulo, Pedro de Toledo, e colocado no poder uma junta governativa formada por ele próprio, pelo deposto e por Francisco Morato.

O cronista do Diário Carioca estava mais preocupado com assuntos do além. Impressionado com os versos do Parnaso de Além-Túmulo, ele pediu uma opinião sobre o livro ao colega de academia e de redação Augusto de Lima e ouviu uma ironia:
  "Chico seria a versão mineira do Barão de Münchhausen e estaria às voltas com fantasias mirabolantes".

Humberto desconsiderou o ceticismo do amigo. Após esmiuçar os poemas do caipira de Pedro Leopoldo, enterrou de vez a hipótese de Chico escrever a la manière dos poetas mortos e convocou outros críticos:
  "Parnaso de Além-Túmulo merece a atenção dos estudiosos, que poderão dizer o que há nele de sobrenatural ou de mistificação".

A convocação surtiu efeito. O poeta e escritor José Álvaro Santos leu as críticas, comprou Parnaso de Além-Túmulo, analisou os poemas e, em janeiro de 1933, desembarcou em Pedro Leopoldo para conhecer o autor do livro.

Encontrou o rapaz atrás do balcão no armazém de José Felizardo Sobrinho, visitou sua casa pobre, repleta de irmãos, e ficou impressionado com a rotina do rapaz. Trabalho braçal das 7h da manhã às 8h da noite por um salário de quarenta mil-réis mensais.

O poeta não merecia perder tanto tempo com questões menores. José Álvaro Santos fez uma proposta a João Cândido Xavier: arrumaria um bom emprego para seu filho em Belo Horizonte. Bastava que Chico o acompanhasse até a capital mineira.

Em três meses, no máximo, o rapaz estaria contratado. Os olhos do pai cresceram diante da perspectiva. O dinheiro andava curto demais. João argumentou com o filho e, mais tarde, Chico recorreu a seu amigo invisível, Emmanuel.

Escutou conselho contrário ao do pai - deveria continuar onde estava -, e tomou a decisão: ficaria com a família. No dia seguinte, João Cândido voltou a pedir socorro e Chico voltou a pedir uma orientação ao guia. A contra- ordem veio do além.

A tentativa é inoportuna e desaconselhável, mas não desejamos que contraries teu pai. João Cândido conseguiu três meses de licença para o filho no armazém de José Felizardo Sobrinho, Chico se despediu dos companheiros do Centro Luiz Gonzaga e embarcou com o desconhecido em direção a uma chácara a três quilômetros do bairro da Gameleira, em Belo Horizonte. 

O autor do Parnaso de Além-Túmulo, mulato, mal vestido, com expressão atordoada, virou atração na casa. Intelectuais mineiros se reuniam em torno dele e comentavam, diante de seus olhos arregalados, os estudos de Coorkes e Richet sobre a mediunidade, os pastiches de Paul Reboux, os poemas de Baudelaire, Musset, Bilac, Augusto dos Anjos.

O matuto acompanhava tudo em silêncio. Uma vez ou outra, respondia com monossílabos a perguntas sobre os poemas ditados do outro mundo. Tinha medo de cometer disparates.

No meio da noite, sozinho no quarto, respirava aliviado diante das visões do guia e da mãe. As aparições repetiam conselhos sobre a prudência e o respeito aos outros e Emmanuel ainda aproveitava para tirar dúvidas literárias do protegido.

Explicava, por exemplo, que Paul Reboux era mestre em imitar o estilo de outros poetas. Enquanto esperava o serviço prometido, Chico acompanhava, à distância, entre as árvores da chácara, a construção de um sanatório em terreno vizinho. Estava triste, tenso.

O hospital, no terreno vizinho, crescia a cada dia e o emprego não saía. Os três meses se esgotaram. Ele não podia mais ficar à toa. Precisava ajudar a família. Em março de 1933, Chico se despediu de José Álvaro Santos e, sozinho, tomou o rumo da Central do Brasil.

Enquanto esperava o trem para Pedro Leopoldo, foi surpreendido por dois amigos de seu ex-anfitrião. Traziam uma ótima notícia: ele estava empregado.

O rapaz se lembrou do pai, da pobreza, dos irmãos e sentiu vontade de abraçar os dois. Quase chegou à euforia quando ouviu as outras boas novas: teria os estudos pagos no melhor colégio da cidade e ainda receberia dinheiro extra para ajudar em casa.

Havia apenas uma condição: Chico deveria assumir a autoria de Parnaso de Além-Túmulo e negar a existência dos espíritos durante duas palestras, uma no auditório da Escola Normal e outra no Teatro Municipal.

O rapaz murchou.

Mas ainda teve fôlego para reagir:
—  Não posso mentir para mim mesmo. Ouço a voz de minha mãe, escrevo poemas que não são meus.
—  Como posso renegar a verdade?

—  Chico, você conhece um passarinho chamado sofrê?
—  Não. O sofrê é um pássaro que imita os outros.

—  Você nasceu com a vocação desse passarinho entre os poetas. Não acredite em espíritos. Esses poemas que você julga psicografar são seus, somente seus.

Nesse momento, Emmanuel apareceu com um de seus trocadilhos:
—  Sim, volte a Pedro Leopoldo e procuremos trabalhar. Você não é um sofrê, mas precisa sofrer para aprender.

O rapaz voltou para casa e foi recebido por um pai inconformado. João Cândido encheu a boca para chamar o filho de ingrato. Chico já esperava aquela reação.

Correu para o armazém de José Felizardo Sobrinho, refugiou-se atrás do balcão e sentiu até certo entusiasmo em cortar toucinho para os fregueses e varrer o chão.

Estava se sentindo tão à vontade na cidade natal que no dia 23 de setembro daquele ano, às 21h, assinou, como Primeiro- Secretário, a ata de posse da primeira diretoria do Pedro Leopoldo Futebol Clube.

Parecia até um jovem comum.

—  Quem sabe um dia entrasse em campo e marcasse um gol?
—  Quem sabe chegasse a um bar e pedisse uma cerveja bem gelada ou convidasse uma moça para o cinema?

—  Não.
—  Chico tinha mais o que fazer.





« Última modificação: 12 de Maio de 2015, 21:59 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #10 em: 12 de Maio de 2015, 04:13 »
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10º-)

A pele do rinoceronte.

Nas noites de segunda e sexta-feira, ele colocava o Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, embaixo do braço e ia para o Centro Luiz Gonzaga.

Seguia à risca uma instrução ditada por Emmanuel:
—  Fidelidade irrestrita a Jesus Cristo e a Kardec, o codificador da doutrina espírita.

O guia do outro mundo levava tão a sério este mandamento que um dia chegou a determinar a Chico:
  "Se alguma vez eu lhe der algum conselho que não esteja de acordo com Jesus e Kardec, fique do lado deles e procure me esquecer".

Chico demorava na cartilha espírita, praticava as lições de caridade, promovia sessões de desobsessão às quartas-feiras, mas o centro ficava cada dia mais vazio.

José Hermínio Perácio e a mulher, Carmem, se mudaram para Belo Horizonte. Precisavam ficar mais perto da família. José Xavier teve que trabalhar à noite numa oficina de arreios para pagar uma dívida. De repente, o rapaz se viu sozinho no barracão.

Quando pensou em sair de fininho, ouviu a voz de Emmanuel.
—  Você não pode se afastar.
—  Como? Não temos freqüentadores.

—  E nós?
—  Nós também precisamos ouvir o Evangelho. Além disso, temos aqui vários "desencarnados" que precisam de ajuda.

Abra a reunião na hora marcada e não encerre a sessão antes de duas horas de trabalho. Chico seguiu as instruções. Às 8h em ponto iniciava a reza de abertura da sessão.

Em seguida, abria O Evangelho Segundo o Espiritismo ao acaso e comentava o capítulo em voz alta. Nessa época, começou a ver mortos e a ouvir vozes com maior freqüência e nitidez. Os seres invisíveis ocupavam os bancos vazios.

Do lado de fora, vizinhos e parentes acompanhavam aquele espetáculo absurdo: o rapaz falava sozinho, gesticulava, rezava, duas horas seguidas.

Uma das irmãs, uma noite, se pendurou na janela para ouvir o monólogo.
—  Tenhamos fé em Jesus, minha irmã. Com paciência alcançaremos a paz. Sem calma, tudo piora.

A espectadora interrompeu a cena insólita:
—  Com quem você está conversando?
—  Com dona Chiquinha de Paula.

—  Ela já morreu, Chico.
—  Você é que pensa. Ela está bem viva.

A família ainda pensava em levar o rapaz a um bom hospício. O padre Júlio Maria, da cidade mineira de Manhumirim, estava disposto a providenciar uma camisa-de-força para o espírita de Pedro Leopoldo.

Todo mês, ele escrevia artigos no jornal local, O Lutador, e fazia o favor de enviar suas opiniões pelo correio ao autor do Parnaso de Além-Túmulo.

Em nome de Jesus Cristo, os textos excomungavam o espiritismo, reduziam a pó a reencarnação e à piada o porta-voz dos poetas mortos no Brasil.
  "Francisco Cândido Xavier deve ter pele de rinoceronte para suportar tantos espíritos", escreveu num de seus manifestos.

Chico ficou engasgado e precisou da ajuda de Emmanuel para engolir o comentário.
—  Se você não tem pele de rinoceronte, precisa ter, porque, se cultivar uma pele muito frágil, cairá sempre com qualquer alfinetada.

O padre Júlio Maria espetou Chico Xavier durante treze anos. Só parou quando morreu. E, nesse dia, Chico ouviu o vozeirão de seu guia:
—  Vamos orar pelo nosso irmão Júlio Maria. Com ele sempre tivemos um cooperador maravilhoso. Dava-nos coragem na luta e concitava-nos a trabalhar.

A cada ataque dos céticos, Chico escutava Emmanuel bater na mesma tecla:
—  Não te aflijas com os que te atacam. O martelo que atormenta o prego com pancadas o faz mais seguro e mais firme. O conselheiro invisível esquecia que martelos também entortam pregos.





« Última modificação: 15 de Maio de 2015, 02:58 by Marianna »
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Offline marcelovvaz

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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #11 em: 12 de Maio de 2015, 15:11 »
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Excelente publicação. Embora saibamos da disponibilidade de diversos materiais que relatam fatos da vida de Chico, nem sempre temos a disciplina de buscá-los. Parabéns por fazer com que este material tenha chegado até nós. Muito obrigado.

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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #12 em: 12 de Maio de 2015, 22:04 »
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11º-)

Chico sentia os golpes e andava pela cidade arqueado, sob o peso da desconfiança alheia.

Em dezembro de 1934, o rapaz fechou os olhos e fincou o lápis no papel. As frases apareceram velozes e nada evangélicas. Eram endereçadas a ele mesmo.

  "Meu amigo, Há mais de um decênio que não me preocupo com as parvoíces da Terra. Nem presumia a possibilidade de enviar novamente para aí a minha futilíssima correspondência, quando alguém me insinuou a idéia de vir ditar-te as minhas sandices.

Acometeu-me o desejo incoercível de atirar um dos meus petardos de troça ao gênero bípede e estalar uma boa gargalhada, sonora e sã. Foi o que fiz.

Tentei a prova. Focalizei no meu pensamento a idéia de vir ter contigo e bastou isso para que as minhas raras faculdades de fantasma me conduzissem a esse maravilhoso recanto sertanejo em que vives, esplendor de canto agreste, quase selvagem...

Busquei aproximar-me de tua individualidade. Vi-te finalmente. Lá surgias ao fim de uma rua bem cuidada, onde se alinhavam casas brancas e arejadas, brasileiríssimas, abarrotadas de ar, de saúde, de sol; vinhas com o passo cansado, pele suarenta a derreter-se dentro de roupas quase ensebadas, com os pés metidos em legítimos socos do Porto, obrigando-me a evocar o cais de Lisboa...

Sem que pudesses observar-me, submeti-te a demorado exame. Procurei a tua bagagem de pensamento, encontrando na tua mocidade tudo quanto a tristeza criou de mais sombrio; em tua alma amargurada, vi apenas porções de sofrimentos, pedaços de angústia esterilizadora, recordações tristonhas, lágrimas cristalizadas... Vi-te e ri-me. Não de ti. Ri-me da estultice do cérebro desequilibrado do asno humano, com o seu volumoso e pesado arquivo de baboseiras.

Cansado das lamúrias de Chico Xavier, o remetente da carta recomendava o bom humor como arma:
Convence-te de que se comete um ato desarrazoado, uma inqualificável imprudência, em chorar tolamente, em derreter-se inutilmente. Abandona essa exótica preocupação aos mais parvos do que tu.

Ri-se o mundo de nós? Riamo-nos dele. Achincalhemos os seus arremedos aos gorilas, ridicularizemos as suas intuições, onde predominam a bandalheira, os seus pulos de cabra-cega; traduzamos a admiração que tudo isso nos desperta com o riso bom, que sempre apavorou os tímidos e insuficientes".

O recado tinha a assinatura de Eça de Queiroz. O escritor português, autor de "pecados" como  "O Crime do Padre Amaro", dava mostras não só de sarcasmo como também de boas doses de informação sobre a polêmica em torno do Parnaso de AlémTúmulo.

Após listar a série de teorias usadas pelos críticos para decifrar o enigma Chico Xavier consciência, mediunidade, psicopatia, loucura, simulação, anormalidade, fenômeno, estupidez, espiritomania , o autor invisível não resistiu e voltou à boa e velha ironia:   "Vai continuando até que te receitem a enxovia ou o manicômio. No cárcere ou no sanatório, alcançarás um período de repouso. Não te apavores".

Semanas depois, o rapaz colocou no papel um alerta sobre os riscos da vaidade e da ambição. Desta vez, quem assinava o texto era Maria João de Deus, sua mãe.

Chico Xavier decorou cada palavra. Muitas delas eram golpes secos contra sua autoestima. Para começo de conversa, ele não deveria encarar a própria mediunidade como uma dádiva, porque, imperfeito como era, não merecia favores de Deus. Uma metáfora barroca marcou sua história:
  "Seja tua mediunidade como harpa melodiosa; porém, no dia em que receberes os favores do mundo como se estivesses vendendo os seus acordes, ela se enferrujará para sempre".

Chico ficou atento às lições e passou a exercitar tanto o bom humor como a humildade ao longo dos anos. No dia 5 de dezembro de 1934, Humberto de Campos morreu. Três meses depois, Chico teve um sonho. As cenas eram nítidas demais. Ele deparou com um grupo de desconhecidos, embaixo de uma árvore enorme e transparente como cristal, sob um céu muito azul e brilhante.

Não havia casas em volta. Um dos estranhos se destacou da multidão, caminhou em sua direção, estendeu a mão e disse:
  "Você é o menino do Parnaso? Eu sou Humberto de Campos".

As lembranças terminaram aí, mas deixaram o rapaz cismado.

—  Qual o sentido daquele sonho?
—  Três meses depois, ele saberia.

Os Textos assinados por Humberto de Campos cairiam do céu um após o outro. Em março de 1935, a mão de Chico colocou no papel as primeiras linhas assinadas pelo ex-imortal.

Sob o título "A Palavra dos Mortos", o escritor se apresentava como uma testemunha do:
  "Trabalho intenso das coletividades invisíveis pelo progresso humano".

Nem parecia aquele acadêmico capaz de desafiar os poetas mortos a competir com os vivos de igual para igual, "reencarnados". Do outro lado, ele tratava de defender as mensagens dos espíritos como:
"Um consolo aos tristes e uma esperança aos desafortunados".

Os materialistas que se cuidassem. O texto saía a jato da mão de Chico Xavier. A fé viria mais cedo ou mais tarde, pelo bem ou pelo mal:
"Os homens aprenderão à custa das suas dores, com todo o fardo de suas misérias e de suas fraquezas, e as palavras do infinito cairão sobre eles como a chuva de favores do Alto".

O artigo virou introdução do livro "Palavras do Infinito", de Chico Xavier, uma coletânea de ensaios assinados por Humberto de Campos e por outros mortos ilustres. Cinco dias depois, Chico Xavier cobriria uma página em branco com novas frases assinadas pelo jornalista invisível.

Era uma carta de despedida endereçada ao rapaz:
  "Tive pena quando soube que iam conduzí-lo a um teste. A curiosidade jornalística é agora levantada em torno de sua pessoa. Agora que os bisbilhoteiros o procuram, trago-lhe o meu adeus, sem prometer voltar breve".

O repórter morto saiu de cena e abriu alas para um jornalista vivo. Em maio, Clementino de Alencar, um correspondente do jornal O Globo, desembarcou em Pedro Leopoldo.

O carioca estava disposto a desmascarar a "fraude mineira" e teve a primeira oportunidade em sessão espírita no Centro Luiz Gonzaga. Naquela noite, ele se sentou ao lado de Chíco na mesa tosca de madeira e acompanhou, de perto, os movimentos vertiginosos de sua mão sobre o papel.

O lápis percorria a folha na contramão da direita para a esquerda e rabiscava frases incompreensíveis. Um dos espectadores arriscou: "É árabe".

Era inglês, escrito de trás para frente. A mensagem invertida, que só poderia ser lida no espelho ou contra a luz, foi publicada em letras garrafais no jornal carioca: My dear spiritualist friends, Men s learning is nothing over against ofthe death: letyou support your cross with patience and courage. The pain and faith are the greater earthly treasure and the work is thegold ofthe lífe. Butfor ali you, believing either not, here is the ourgreat message: God is our Father. We are brothers. Let us love one another. Emmanuel.

(Meus caros amigos espiritualistas, o conhecimento dos homens não é nada contra a morte; suportem as suas cruzes com paciência e coragem. A dor e a fé são os maiores tesouros terrenos e o trabalho é o ouro da vida. Para todos, entretanto, crentes ou não, aqui está a nossa grande mensagem: Deus é nosso Pai. Nós somos irmãos. Amemonos uns aos outros.)

O repórter apontou o erro crasso de gramática inglesa o uso do "the" antes do possessivo "our" na quinta linha e divulgou a desculpa do tal Emmanuel para o deslize: ele ainda estava estudando inglês num curso no além. A noite de boas-vindas ao jornalista foi movimentada.

Após a exibição bilíngüe, Chico colocou no papel, em minutos, de olhos fechados, dois poemas de um certo Olavo Bilac:
"Aos Descrentes" e "Ideal".

Clementino de Alencar avançou sobre o primeiro:
  "Vós que seguis a turba desvairada As hostes dos descrentes e dos loucos Que de olhos fechados e ouvidos moucos Estão longe da senda iluminada, Retrocedei dos vossos mundos ocos".

A noitada só terminou depois de Chico Xavier rabiscar um poema de Augusto dos Anjos - sobre o fim das forças do "Plasma Agonizante" e outro de João de Deus.




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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #13 em: 12 de Maio de 2015, 22:07 »
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12º-)

No quarto de hotel Clementino passava os olhos pelos poemas do outro mundo e registrava as próprias sensações nas páginas de O Globo:
—  Nossos olhos correm, a um tempo curiosos e ansiosos, sobre aquelas páginas incríveis, que o caixeiro bisonho e humilde afirma ter recebido, em transe, do mundo das sombras invisíveis, que ficam para lá das nossas percepções normais.

—  Devemos crer nesse parnaso do além?
Esqueçam por hora as dúvidas. Fique para mais tarde a análise. Nem tudo era poesia na série de reportagens.

Clementino também divulgou um texto atribuído a Emmanuel, a quem sempre se referia como o "guia" de Chico. O artigo, sobre o "corpo espiritual", soava como grego escrito de trás para frente.

A vida, em suas causalidades profundas, escapa aos vossos escalpelos, e apenas o embriogenista observa, na penumbra e no silêncio, a infinitésima fração do fenômeno assimilatório das criações orgánicas.

O repórter se empolgou e decidiu, então, submeter o matuto de Pedro Leopoldo a uma série de testes. Chico aceitou o desafio. Questionários elaborados por especialistas foram entregues a ele.

As primeiras perguntas, sobre economia, vieram do gerente do Banco Agrícola de Sete Lagoas, Francisco Teixeira da Costa.

Chico levou a prova para casa iria submetê-la aos espíritos - e apresentou as respostas na manhã seguinte.

A primeira questão era muito difícil:
—  Dado o aumento da população mundial e a escassez de ouro necessário à circulação, a socialização do sistema monetário, tendo por base certa percentagem de exportação de cada país, conseguiria, pela emissão naquela base, regular o fenômeno da troca?

A resposta veio em economês à altura, se arrastou por parágrafos e mais parágrafos, repletos de referências ao lastro regulador e às emissões fiduciárias, e terminou com a assinatura do português Joaquim Pedro d 'Oliveira Martins, ex-deputado, ex-ministro da Fazenda e ex-membro da Academia de Ciências de Lisboa, morto em 1894.

Na reportagem publicada no dia 31, Clementino estava quase convertido ao espiritismo: Sente-se o repórter no dever de anotar, já agora, aqui, esta impressão: torna-se cada vez mais remota a idéia de fraude grosseira que tenha porventura surgido com as primeiras notícias relativas ao jovem médium de Pedro Leopoldo.

O jornalista fez questão de esclarecer que não era o único ex-cético da cidade. Muitos curiosos desembarcavam desconfiados em Pedro Leopoldo e saíam de lá assombrados.

Um dos observadores atentos entrevistados por Clementino foi o professor de Psiquiatria da Universidade de Belo Horizonte, Melo Teixeira. Ele se sentou próximo ao rapaz e cravou nele seus olhos clínicos.

Quando Chico Xavier largou o lápis sobre o papel repleto de frases do além, o médico perguntou quais as sensações do transe. O matuto falou sobre o torpor e a impressão vaga de uma tênue irradiação.

O psiquiatra deu o diagnóstico: Não se pode negar: estamos diante de um fenômeno lídimo, visto, presenciado. Haverá, naturalmente, os que acusam este rapaz de fabricar pastiches.

É uma hipótese para observador distante e superficial. Sentimo-nos diante de uma força ultranormal. Clementino precisava de mais evidências. Decidiu fazer perguntas em inglês.

Uma das questões: Have you, spirits, any power upon thefuture of our livingfriends? (Vocês, os espíritos, têm algum poder sobre o futuro de nossos amigos vivos?).

A resposta, assinada por Emmanuel, começava com uma censura à referência aos amigos vivos. "Todos nós estamos vivendo", garantiu em bom português.

O repórter de O Globo leu os parágrafos escritos pelo rapaz, mas não se convenceu. Queria respostas em inglês. Em vez de fazer o pedido ao entrevistado, ele resolveu experimentar uma técnica espírita: a de enviar uma "espécie de prece insistente ao rapaz". "Inglês, inglês", mentalizou.

O texto veio em português. Quando Clementino já estava prestes a voltar ao ceticismo habitual, apareceram, sob a resposta, dezoito linhas em inglês.

Do you have more questions?
Clementino de Alencar mudou.

Emmanuel, citado como "guia" de Chico Xavier nas primeiras reportagens, virou o Amigo Invisível (com letras maiúsculas e sem aspas). O repórter voltou para o Rio, um mês depois, convencido da honestidade do autor de Parnaso de Além-Túmulo.

E suas reportagens atraíram caravanas de curiosos a Pedro Leopoldo. O aprendiz de curandeiro A maioria dos visitantes saía do Rio de Janeiro e de São Paulo atraída pelo portavoz dos poetas mortos e voltava para casa impressionada com as consultas médicas do Dr. Bezerra.

Bastava escrever o nome e o endereço numa ficha para receber, no fim da noite, receitas sempre homeopáticas assinadas pelo espírito do médico. Ninguém precisava revelar a doença para ter acesso ao diagnóstico escrito por Chico Xavier.

Muitos, impressionados com os poderes do protegido de Emmanuel, chegavam a oferecer dinheiro ao rapaz pobre como prova de gratidão.

Ele recusava:
—  Ajude o primeiro necessitado que encontrar.

Outros lhe entregavam presentes.
Chico se livrava deles com pressa e discrição.

Numa noite, ganhou um relógio de ouro suíço. Na tarde seguinte, visitou uma doente, Glória Macedo. Pobre, ela costumava perder a hora de tomar os remédios receitados pelo Dr. Bezerra por falta de relógio. Chico deixou o presente da véspera sobre a mesa da "paciente".

Mas nem todos saíam satisfeitos do Centro Luiz Gonzaga. Alguns ficavam decepcionados com recados médicos vagos "como buscaremos cooperar espiritualmente em seu favor" ou "confiemos na bênção de Jesus".

Chico esclarecia, com educação: não fazia milagres. Sua prioridade era o livro e não a cura. Às vezes Chico decepcionava como "doutor" e repetia sempre: - Todo médium é falível.

Vulnerável a enganos, ele tratava de tomar precauções:
—  Nunca receitava antibióticos e, diante de casos mais graves, aconselhava tratamento médico.

Ninguém poderia acusá-lo do exercício ilegal da medicina. Algumas das próprias falas clínico-espirituais ele justificava como decisões estratégicas dos "benfeitores espirituais". Os equívocos serviriam para combater sua vaidade e mostrar seus limites.

Bem ou mal, Chico Xavier atiçava a curiosidade e colocava Pedro Leopoldo no mapa. João Cândido Xavier começou a gostar daquela confusão.

Com ares de empresário, sugeriu ao filho: Se você construir aí na porta um galinheiro e cada visitante deixar uma galinha, ficaremos ricos... Chico sacudiu a cabeça e riu.

O pai se irritou. Ora, Chico, os espíritos que te orientam são tão atrasados, mas tão atrasados que, em vez de escreverem Manuel, escrevem Emmanuel.

O rapaz repetiu a velha história: nunca poderia ganhar dinheiro com sua mediunidade. E ouviu o desabafo paterno:
- Eles mandam você não cobrar nada de ninguém porque não pagam o leite e não têm que comer carne.

Pode ficar certo, meu filho, quando eu morrer, vou ser seu guia. João Cândido só faltava bocejar quando o filho abria O Evangelho Segundo o Espiritismo e lia a recomendação de Jesus: "Dai de graça o que de graça recebestes".

A bênção da mediunidade parecia maldição. O pai ficava impressionado:
—  Chico trabalhava tanto para os outros a troco de quê? A recompensa não vinha.

O aprendiz de curandeiro:

Nessa época, o rapaz enfrentava dificuldades sérias no armazém de José Felizardo. O patrão tinha sofrido uma trombose cerebral e o salário estava a cada dia mais minguado.

Chico teve que recorrer a um bico na Inspetoria Regional do Serviço de Fomento da Produção Animal, na Fazenda Modelo. Nas horas vagas, trabalhava de graça para o doente e fazia companhia a ele.

Em 1935, Felizardo não teve dinheiro para pagar os impostos do segundo semestre, o armazém faliu e o ex-caixeiro entrou para o quadro de funcionários da Inspetoria como escrevente-datilógrafo.

Em vez de servir cachaça, ele escreveria relatórios sobre os bois, cavalos e jumentos puro-sangue criados na fazenda do governo e emprestados, para reprodução, a fazendeiros cadastrados no Ministério da Agricultura.

Em pouco tempo, seria um especialista em gado zebu. No escritório, ele encontrou outro "guia", este de carne e osso, disposto a domar com boas chibatadas seus instintos de "besta espírita". O administrador da fazenda, o engenheiro agrônomo Rômulo Joviano, mantinha o rapaz no cabresto.

Espírita de carteirinha, ele não só acompanhava de perto os relatórios do empregado como também supervisionava seus "textos do além" e acompanhava as sessões do Centro Luiz Gonzaga, do qual se tornaria presidente. Só era distraído mesmo para promoções, aumentos e folgas.

Chico já estava às voltas com memorandos bovinos quando chegou às livrarias a segunda edição do Parnaso de Além-Túmulo, em 1935. O volume, quase três vezes maior do que o da primeira edição, era festejado no prefácio pelo vice-presidente da Federação Espírita Brasileira, Manuel Quintão.

Responsável pela primeira versão do livro, o filólogo espírita festejava as novas aquisições (Olavo Bilac, por exemplo) e transformava em estandarte o texto escrito por Humberto de Campos (espírito). No artigo, intitulado "De Pé, os Mortos", o escritor reafirmava a autenticidade dos poemas ditados pelos espíritos ao matuto de Pedro Leopoldo.





« Última modificação: 15 de Maio de 2015, 02:28 by Marianna »
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Re: As Vidas de Chico Xavier
« Responder #14 em: 13 de Maio de 2015, 02:28 »
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13º-)

Quintão estava entusiasmado: O crítico João Ribeiro disse que o médium não traiu nenhum dos poetas. Ora, esta concisa sentença de J. Ribeiro vale por todos os estultilóquios e paparrotadas que andas, que a crítica de papo-amarelo improvisou a propósito de quanto se afaste do seu clássico palmo de nariz. O texto era um panfleto.

A nova edição saiu com um único, e discreto, reparo. O perfil de Guerra Junqueiro, escrito pelo indignado Quintão em 1932, em introdução aos versos atribuidos ao poeta, mudou de tom, O "bardo" português, definido como "notável por sua hostilidade à Igreja de Roma" na versão original, passou a ser admirável por sua "veia combativa e satírica".

Era início da censura na literatura espírita. Era também uma alteração adequada a quem, como Chico, passaria a vida repetindo: Não vim para brigar com ninguém. Não vim para dividir.

Mas dividia, O romancista mineiro João Domas Filho, por exemplo, se irritaria com os poemas assinados por Olavo Bilac na nova edição do Parnaso:

  "Ele, que nunca escreveu um verso imperfeito, nem em sua pior fase, depois de morto ditou ao médium sonetos inteiros abaixo do medíocre".

O ferino Osório Borba, autor de A Comédia Literária, decidiu assistir a uma sessão no Centro Luiz Gonzaga. Sem se identificar, viu Chico espalhar versos pelas páginas em branco em velocidade surpreendente, mas não se convenceu.

Após o "espetáculo", ele conversou com o autor do Parnaso e foi honesto: duvidava da possibilidade de os espíritos se manifestarem com sua ajuda, mas acreditava na sua honestidade. Chico seria apenas uma vítima inconsciente de fenômenos ainda pouco estudados.

Os poemas e poetas recém-chegados à nova edição do Parnaso geraram boatos mirabolantes. Os católicos mais empedernidos chegaram a acusar a Federação Espírita Brasileira de manter uma comissão de escritores encarregada de inventar todos aqueles versos em sigilo absoluto.

A causa era nobre: convencer os incrédulos da existência de espíritos.

Chico Xavier desempenharia o papel do ignorante sem tempo nem cultura para escrever os poemas, mas capaz de ser porta-voz dos mortos, em troca de dinheiro e em nome da divulgação do espiritismo. Os rumores eram tão fortes que Chico tratou de arquivar, com cuidado, os originais de todos os textos vindos do "outro mundo".

Quando lhe sugeriram transferir a papelada de Pedro Leopoldo para a sede da Federação Espírita, no Rio, ele recusou. Precisava ter seus garranchos sempre à mão para mostrar aos céticos. Fez bem.

Mais tarde, ele mostraria suas "provas" a dois padres e três protestantes interessados em desmistificar a "fraude mineira". Em meio à polêmica, o rapaz de Pedro Leopoldo ficava famoso e virava atração principal em sessões espíritas de outras cidades.

Em 1936, enquanto Bons Karloff provocava calafrios no filme O Morto Ambulante, ele roubava a cena na Sociedade Metapsíquica de São Paulo.

Na noite de 29 de março, colocou no papel uma mensagem assinada por Emmanuel, em inglês, e escrita de trás para a frente, em papel timbrado da entidade, previamente rubricado com duas assinaturas. A platéia só faltou aplaudir de pé e pedir bis.

Após a exibição, foi convidado para um jantar na casa de uma socialite espírita. A dona da casa tinha ímpetos de colocar o "embaixador" dos mortos numa de suas baixelas de prata.

Diante dos talheres reluzentes e dos figurinos de gala, o rapaz enrubescia, engasgava. Nunca tinha visto tanta comida junta. Nem sabia por onde começar. Estava paralisado. De repente, saltou em direção à porta da cozinha e arrancou das mãos de uma jovem uma travessa repleta de arroz.

A anfitriã chegou a tempo de evitar o pior. O rapaz estava contrariado. A coitadinha é tão frágil. E nós aqui, à toa, vendo-a fazer tudo sozinha. Foi difícil convencer o matuto de que a coitada era empregada da casa e recebia um salário por aquele serviço.

Só após certa disputa pela posse da bandeja, Chico se conformou e foi à mesa se servir. A dona da casa fez questão de acompanhar o tour do pobrezinho em torno do bufê. Isto é gostoso, meu filho. Coma, coma, coma um pouco mais.

Com medo de fazer desfeita, o coitado engolia a miscelânea de carnes, massas e saladas. Sempre que levava à boca os últimos vestígios de comida, escutava a voz estridente ao seu lado:

—  Coma um pouco mais.
—  O que é isso?
—  Tão pouco?

O prato se esvaziava e logo se enchia de novo. Chico sorria, agradecia, afrouxava o cinto, desabotoava o colarinho, respirava fundo. Quando chegou a sobremesa, sentiu vontade de chorar. A anfitriã cobriu seu prato de doces. Ele comeu.

Ao sair, amparado por amigos, escutou o comentário sussurrado pela dona da casa a uma amiga:
—  Esse Chico é formidável, mas, puxa, como come... O aprendizado foi indigesto. Chico engoliria muito sapo até aprender a dizer "não".

Chico trabalhava como um obcecado e queria mais. Além dos poemas e crônicas, sonhava escrever romances do outro mundo como a médium Zilda Gama. Ele se colocou à disposição de Emmanuel, mas foi desestimulado por ele.

O trabalho exigia serenidade e Chico estava longe da tranquilidade, sempre às voltas com os catorze irmãos, O pai desaparecia por algum tempo e a casa ficava por sua conta.

Só dois anos mais tarde, no final de 1938, após assumir com Emmanuel o compromisso de se acalmar, ele começou a preencher as páginas em branco com "lembranças" de 2 mil anos atrás.

A primeira cena o pegou de surpresa: dois romanos envoltos em suas túnicas trocavam idéias no jardim, refestelados em longos sofás, quando um temporal desabou. As imagens e sons eram nítidos demais.

Chico se sentiu como se estivesse no cinema, ao mesmo tempo como espectador e ator de um filme, dentro e fora da tela. Parou de escrever. E ouviu a explicação de Emmanuel, o autor do romance:

—  Você está sob certa hipnose.
—  Você está vendo o que eu estou pensando.
—  Mas não sabe o que eu estou escrevendo.

Chico acompanhou a história como um telespectador diante de novelas. Chegou a torcer por certos personagens.

Um deles era o próprio Emmanuel numa de suas vidas pregressas. Na encarnação nada evangélica. Na época de Cristo, ele teria sido não um apóstolo, mas um senador romano orgulhoso chamado Publius Lentulus.






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