T�pico: FILHOS...TEMOS QUE SABER CRI�-LOS(CONTO) (Lida 2950 vezes)

Brilho da Lua · « **em:** 19 de Maio de 2008, 23:52 »

DEZOITO ANOS, APENAS

Apenas dezoito anos...

O corpo estendido no ch�o, rijo e frio, parecia implorar ajuda. O rosto n�o expressava dor nem sofrimento, apenas a alucinante surpresa ante a morte inesperada.

Em meio � gritaria geral s� Hermano permanecia em sil�ncio, traumatizado com o choque da ocorr�ncia brutal, mas, em pensamento e com toda a emo��o, suplicava ajuda a Deus por aquele esp�rito que acabara de deixar o corpo f�sico em circunst�ncias t�o tr�gicas. Sendo esp�rita, sabia qu�o doloroso pode ser uma desencarna��o prematura, um �abandonar a raia� antes da �poca determinada.

Conhecia os pais de Anselmo desde os tempos de col�gio. Carregara-o nos bra�os, trocara-lhe as fraldas in�meras vezes e, agora, aquele anjinho louro transformado em homem, encontrava-se novamente indefeso, inerte e com medo do desconhecido.

Quantas vezes buscara alertar seus pais sobre a educa��o do menino. Lembrava-se com nitidez de certa tarde de domingo em que se entretinha em companhia de Oscar e L�dia, quando Anselmo contava dez anos de idade.

- Ainda � tempo - dizia-lhes - de se fazer alguma coisa. N�o gosto de me intrometer assim, mas acho que est�o muito errados. O menino demonstra s�rias tend�ncias negativas e voc�s n�o t�m o m�nimo pulso com ele.

- Voc� est� fazendo tempestade num copo d��gua - respondera L�dia. - Meu filho � um amor de menino e tem um cora��o de ouro. Isso dele n�o querer estudar � coisa da idade. Conversei longamente com ele ontem sobre isso. Expliquei muitas coisas e ele prometeu que vai voltar a estudar direitinho.

- Promessas como essa ele j� vem fazendo h� dois anos. N�o queira esconder o sol com a peneira, L�dia. Anselmo ainda n�o terminou o segundo ano. Falsifica as notas do boletim, inclusive a assinatura do coordenador. Passa o dia fora de casa e voc� nem sabe onde... Al�m disso j� � a quarta vez que voc� o apanha roubando. Isso � muito s�rio...

- O que voc� quer que eu fa�a, que bata no menino? Nunca...! Acho uma covardia algu�m usar de for�a contra uma crian�a indefesa. Poderia criar traumas e revoltas prejudiciais para o resto da vida dele. Filho se cria com amor e conselhos. Em casos de maior necessidade pode-se aplicar um castigo. Ali�s, isso n�s temos feito. Ainda ontem Oscar proibiu Anselminho de sair com a bicicleta porque ele arrombou a porta do meu guarda-roupa .

Hermano sentia-se desanimado. N�o adiantava tentar mostrar aos pais de Anselmo que o garoto estava seguindo por um caminho perigoso, mas mesmo assim, continuou:

- A crian�a � um ser que est� iniciando mais uma etapa reencarnat�ria, trazendo no esp�rito as tend�ncias boas e m�s, adquiridas e cultivadas no decorrer das vidas passadas e essas tend�ncias � que devem ser corrigidas, quando negativas, e alimentadas, quando positivas. Os pais n�o s�o propriet�rios de seus filhos, mas sim, deposit�rios da responsabilidade de assisti-los durante os anos do recome�o, orientando e conduzindo para o bem e utilizando todas as suas possibilidades para que sua miss�o seja bem cumprida.

Fingindo n�o perceber o ar de desagrado do casal de amigos, pelo serm�o, prosseguiu:

- A crian�a nasce trazendo no inconsciente as predisposi��es que adquiriu nas vidas passadas. Ela recome�a a vida na mat�ria atrav�s da fase infantil quando, totalmente carente, fica na inteira depend�ncia dos pais. Tudo lhe � estranho e desconhecido. Sua sobreviv�ncia depende totalmente dos cuidados que lhe s�o dispensados. Aos poucos come�a a fazer contato com o exterior, aprendendo a comer, andar, brincar, vestir-se... mas sua experi�ncia ainda n�o � suficiente para poder conduzir-se sozinha e deliberar sobre os pr�prios passos. Essa capacidade � aquisi��o muito lenta, tanto que as leis da terra, muito sabiamente, s� conferem maioridade, ou seja, responsabilidade pelos pr�prios atos, aos 18 anos de idade.

O casal de amigos parecia tocado pelas palavras de Hermano, que continuou:

- � �bvio que toda crian�a e, principalmente o adolescente, quer se �soltar�. � um impulso natural da pr�pria evolu��o, mas se voc� solt�-la, isto �, se lhe der o direito de se autodirigir, ela se sentir� insegura, perdida e desamparada, embora muito satisfeita com a possibilidade de dar livre expans�o aos impulsos do vulc�o interior. Se, por outro lado, os pais lhe indicam as normas ou diretrizes pelas quais deve conduzir-se e em caso de desobedi�ncia for�am-na a manter-se dentro da linha programada, mesmo que para isso lhe apliquem castigos mais severos, ela poder� sentir-se revoltada mas ao mesmo tempo segura, por perceber nos pais a m�o forte e firme perfeitamente capaz de conduzi-la, at� que esteja capacitada a caminhar por si mesma.

- Ser pai ou m�e � continuou Hermano, ap�s breve sil�ncio - n�o pede apenas lutar e sacrificar-se para dar conforto e instru��o aos filhos. Pede igualmente prepar�-los para a vida, n�o para dela usufru�rem qual parasitas, mas para colaborarem na grande obra de constru��o de um mundo melhor, mais pac�fico, justo e equilibrado. A maioria dos pais n�o tem pulso para educar seus filhos. Cedem �s suas vontades, muitas vezes por puro comodismo, acreditando erroneamente que dessa forma est�o lhes demonstrando seu amor. Mas � preciso muito mais amor para aplicar no filho um castigo necess�rio, do que para fazer-lhe concess�es, ou dar-lhe presentes. Quem ama realmente seu filho n�o mede sacrif�cios, nem mesmo que esse sacrif�cio possa consistir numa poss�vel diminui��o do apre�o filial por causa de um regime disciplinar mais rigoroso, visando educ�-lo verdadeiramente, mas, por incr�vel que possa parecer, o castigo justo s� faz cimentar na alma da crian�a maior confian�a e carinho pelos pais. Amar o filho � procurar fazer dele um ser maduro, equilibrado e disciplinado, pois s� assim ter� maiores possibilidades para uma vida mais proveitosa e feliz no lar, no trabalho e na sociedade. N�o pensem que fazendo todas as vontades de Anselmo, est�o assegurando seu amor. Voc�s o est�o perdendo...

Aquelas palavras prof�ticas vinham agora � mente de Hermano.

Realmente, o garoto fora se perdendo cada vez mais, ante a forma como seus pais entendiam o amor aos filhos. Muito cedo come�ou a beber, criar casos, brigar e roubar, transformando-se no terror do bairro e, agora, era apenas um corpo estendido no ch�o, rijo e frio, parecendo suplicar por ajuda. Era agora uma crian�a livre, sem disciplina, sem pais nem amigos, sentindo vibrar em todo o seu ser espiritual o alucinante pavor da morte, do desconhecido... Ouvia, como de muito longe os gritos desesperados da m�e, mas o elo havia sido cortado por uma punhalada e agora ele estava s�, acompanhado apenas pelo cortejo das recorda��es de uma vida errada. S�... dentro da morte, dentro do desconhecido.

�O PAI QUE N�O FAZ SEU FILHO CHORAR, CHORAR� POR ELE...�

(Extra�do do livro Um Forr� no Umbral, de Saara Nousiainen)

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